(excerto)
Era terça-feira gorda. A multidão inumerável
Burburinhava. Entre clangores da fanfarra
Passavam préstitos apoteóticos.
Eram alegorias ingénuas ao gosto popular, em cores cruas.
Iam em cima empoleiradas mulheres de má vida,
De peitos enormes - Vénus para caixeiros.
Figuravam deusas, - deusa disto, deusa daquilo, já tontas e seminuas.
A turba, ávida de promiscuidade,
Acotovelava-se com algazarra
Aclamava-as com alarido
E, aqui e ali, virgens atiravam-lhes flores.
(do poema Sonho de uma terça-feira gorda)
in CARNAVAL (1920)
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Herberto Helder
___________________________
a acerba, funda língua portuguesa,
língua-mãe, puta de língua, que fazer dela?
escorchá-la viva, a cabra!
transá-la?
nenhum autor, nunca mais, nada,
se a mão térmica, se a técnica dessa mão,
que violência, que mansuetude!
que é que se apura da língua múltipla:
paixão verbal do mundo, ritmo, sentido?
que se foda a língua, esta ou outra,
porque o errado é sempre o certo disso
in A FACA NÃO CORTA O FOGO
a acerba, funda língua portuguesa,
língua-mãe, puta de língua, que fazer dela?
escorchá-la viva, a cabra!
transá-la?
nenhum autor, nunca mais, nada,
se a mão térmica, se a técnica dessa mão,
que violência, que mansuetude!
que é que se apura da língua múltipla:
paixão verbal do mundo, ritmo, sentido?
que se foda a língua, esta ou outra,
porque o errado é sempre o certo disso
in A FACA NÃO CORTA O FOGO
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
Poema inicial do livro antecedente
_________________
FELINOS
Porque incriados,
sombra e felino
firmaram esse secreto
acordo de assassinos:
ele a figura, ela o ensina
a pisar as coisas sem feri-las.
Cláudio Neves (Brasil)
Nota: a pedido de Pilantra.
FELINOS
Porque incriados,
sombra e felino
firmaram esse secreto
acordo de assassinos:
ele a figura, ela o ensina
a pisar as coisas sem feri-las.
Cláudio Neves (Brasil)
Nota: a pedido de Pilantra.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
Cláudio Neves (Brasil)
____________
MALHADO
No gato malhado,
dito vira-lata,
a sombra invade,
milparte o gato.
Falta-lhe a linha
dorsal compacta
e o passo infalível
dos outros gatos;
falta-lhe a idéia
de contraparte:
nem bem é branca
ou negra metade
e ao todo é menor
que as manchas somadas.
É talvez assimétrico,
um antigato em seu claro-escuro
barroco, abstracto.
Não é a coisa,
mas as muitas falhas,
as muitas faltas
que lhe são inatas;
como uma idéia
despedaçada
numa palavra muitas palavras.
(do ciclo De Sombras e Gatos)
Neves, Cláudio, De sombras e vilas, Rio de Janeiro, 7Letras, 2008
Nota: Excelente poema, que nos revela num grande saber poético do manejo do verso curto, elíptico, (de contenção e contensão) uma visão muito própria do gato "rafeiro", sem raça definida.
O autor consegue evidenciar, a imagem do animal,quase plasticamente:" milparte"," negra metade", "falta-lhe a linha dorsal", etc.
Para além deste nível mais ligado à visualidade, há ainda toda a densidade semântica que o poema consegue, ligada à poderosa e antiquíssima simbologia do gato, simultaneamente fidalgo e plebeu, requintado e vadio, insubmisso e meigo, doméstico e selvagem.
Releiam-se achados como: "antigato" ou "uma idéia despedaçada", ou ainda "seu claro-escuro barroco, abstracto". Note-se neste últimp exemplo, de novo, para leitores mais atentos a sugestão plástica da estética do barroco (claro-escuro) ou das assimetrias pictóricas do abstraccionismo.
O verso final pode remeter para a pluralidade de sentidos duma imagem, dum poema, da própria vida.
O pequeno ciclo, inclui ainda, os poemas:"Negro", "Siamês, "Persa".
O livro é constituído pelos seguintes ciclos:
I - INTRODIÇÃO À SOMBRA
II - DE SOMBRAS E VILAS
III-DE SOMBRAS E CATOS
IV - OS CONSTRUTORES (DOIS EXCERTOS)
V - POEMAS ESPARSOS (1990-2007)
Relembre-se que enormes poetas abordaram o tema do gato, nos seus livros : Baudelaire, Verlaine, Yeats, Rilke, Appolinaire, Ezra Pound, T. S. Eliot, Jorge Luis Borges. Paul Eluard, Manuel Bandeira, Drummond de Andrade, erc, etc.
Em Portugal: Fernando Pessoa, Jorge de Sena, Mário Cesariny, Eugénio de Andrade, Ruy Belo, Luíza Neto Jorge, Fiama Hasse Pais Brandão, João Miguel Fernandes Jorge, etc, etc.
MALHADO
No gato malhado,
dito vira-lata,
a sombra invade,
milparte o gato.
Falta-lhe a linha
dorsal compacta
e o passo infalível
dos outros gatos;
falta-lhe a idéia
de contraparte:
nem bem é branca
ou negra metade
e ao todo é menor
que as manchas somadas.
É talvez assimétrico,
um antigato em seu claro-escuro
barroco, abstracto.
Não é a coisa,
mas as muitas falhas,
as muitas faltas
que lhe são inatas;
como uma idéia
despedaçada
numa palavra muitas palavras.
(do ciclo De Sombras e Gatos)
Neves, Cláudio, De sombras e vilas, Rio de Janeiro, 7Letras, 2008
Nota: Excelente poema, que nos revela num grande saber poético do manejo do verso curto, elíptico, (de contenção e contensão) uma visão muito própria do gato "rafeiro", sem raça definida.
O autor consegue evidenciar, a imagem do animal,quase plasticamente:" milparte"," negra metade", "falta-lhe a linha dorsal", etc.
Para além deste nível mais ligado à visualidade, há ainda toda a densidade semântica que o poema consegue, ligada à poderosa e antiquíssima simbologia do gato, simultaneamente fidalgo e plebeu, requintado e vadio, insubmisso e meigo, doméstico e selvagem.
Releiam-se achados como: "antigato" ou "uma idéia despedaçada", ou ainda "seu claro-escuro barroco, abstracto". Note-se neste últimp exemplo, de novo, para leitores mais atentos a sugestão plástica da estética do barroco (claro-escuro) ou das assimetrias pictóricas do abstraccionismo.
O verso final pode remeter para a pluralidade de sentidos duma imagem, dum poema, da própria vida.
O pequeno ciclo, inclui ainda, os poemas:"Negro", "Siamês, "Persa".
O livro é constituído pelos seguintes ciclos:
I - INTRODIÇÃO À SOMBRA
II - DE SOMBRAS E VILAS
III-DE SOMBRAS E CATOS
IV - OS CONSTRUTORES (DOIS EXCERTOS)
V - POEMAS ESPARSOS (1990-2007)
Relembre-se que enormes poetas abordaram o tema do gato, nos seus livros : Baudelaire, Verlaine, Yeats, Rilke, Appolinaire, Ezra Pound, T. S. Eliot, Jorge Luis Borges. Paul Eluard, Manuel Bandeira, Drummond de Andrade, erc, etc.
Em Portugal: Fernando Pessoa, Jorge de Sena, Mário Cesariny, Eugénio de Andrade, Ruy Belo, Luíza Neto Jorge, Fiama Hasse Pais Brandão, João Miguel Fernandes Jorge, etc, etc.
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Não conseguiram assumir o colapso dos sonhos
(frase ouvida no programa "Câmara Clara", na RTP2, a propósito da América Latina)
Pode aplicar-se a tanta gente!...Mas, se calhar têm direito a viver assim. Só que depois chamam aos outros, ácidos e pessimistas....se não, até de "direita".
Assim vai a confusão das mentes.
(frase ouvida no programa "Câmara Clara", na RTP2, a propósito da América Latina)
Pode aplicar-se a tanta gente!...Mas, se calhar têm direito a viver assim. Só que depois chamam aos outros, ácidos e pessimistas....se não, até de "direita".
Assim vai a confusão das mentes.
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