terça-feira, 27 de dezembro de 2011

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Cecilia Bartoli

Eduardo Lourenço


Uma boa notícia, neste fim de ano, foi a atribuição do Prémio Pessoa ao filósofo e ensaísta Eduardo Lourenço. Um grande pensador da nossa identidade, com obras como O Labirinto da Saudade, Nós e a Europa ou as Duas Razões, Nós Como Futuro, etc. Este notável heterodoxo é igualmente um grande estudioso do texto poético, nomeadamente da obra pessoana, com títulos como Fernando Pessoa Revisitado, ou Fernando, Rei da Nossa Baviera. Nomes como Fernando Pessoa e Eduardo Lourenço reabilitam a nossa esperança, nestes tempos de penúrias diversas.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

José Miguel Silva


Preocupações naturais

Eu não tinha muita coisa e hoje tenho
a soma dos teus passos quando desces
a correr os nossos treze degraus e
me prometes: até logo. Mas se
nada (ou só o nada) está escrito,
quem mais ama é quem mais tem
a recear. Com isso, passo as horas
num rebate de dramáticos motivos:
engano-me na roda dos temperos,
ponho sal na cafeteira, maionese
no saleiro, vejo o mel mudar de cor
e se me chama o telefone empalideço
como o rosto do relógio da cozinha.
Só sossego quando as gatas me garantem
que chegaste e posso então, aliviado,
unir-me ao coro de miaus que te recebe,
para mais uma noite roubada ao escuro.


Poupanças

A teu lado não me importam as notícias,
que tivemos o Inverno mais seco de sempre,
e a guerra, o petróleo, o bulício dos tolos.
Os jornais não trazem nada que me possa
interessar: que aprendeste finalmente a cair
de bicicleta, tens consulta para ontem
com o médico das costas e o teu sono
continua perturbado por afãs de perfeição.

O amor é assim, deixa o logro do mundo
a ganir à porta. Vai tu à janela, se queres,
e atira-lhe um osso de atenção. Eu já não
creio que a história seja o melhor amigo
do homem - tu sim, felicidade perceptível,
âncora do tempo, senhora do Marão. Graças
a ti já comecei a poupar uns oito euros
por semana em semanários, arrelias e afins.


Too Big do Fail

Como pode um investimento tão fiável
garantir este rendimento crescente, numa
diária distribuição de beijos e outras mais-
-valias, ainda por cima livres de impostos?

Embora confiasse na tua competência
para criar valor, confesso que não esperava
tanto quando decidi aplicar nos teus títulos
sensíveis os meus parcos activos emocionais.

O mais estranho, no mundo actual, é ser este
um negócio sem perdedores, aparentemente
imune ao nervosismo das tuas acções
ou às flutuações do meu comércio libidinal.

O meu único receio é que despertemos
a invejo dos deuses, no Olimpo de Bruxelas,
e que Mercado, o monstruoso titã, decida
baixar para lixo o rating da nossa relação,

deixando-nos sem crédito na praça romanesca
e em default o coração. Mas não sejamos
pessimistas. Aliás, ambos sabemos que Cupido
nos ampara com sua mão invisível. E mesmo

que entrássemos ambos em depressão, tenho
a certeza de que o Estado português nos daria
todo o apoio, concordando que um amor como
este é simplesmente demasiado grande para falir.

In Serém, 24 de Março, Averno,Lisboa, 2011.

Nota: Estes notáveis poemas do último livro de JMS fazem-nos acreditar, plenamente, que pelo menos a poesia portuguesa não está em crise. A edição da Averno com desenhos de Luís Manuel Gaspar é, como de costume, de um grande conseguimento estético, inserida numa filosofia própria de tratar o texto poético.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Manoel de Oliveira




Fanny Owen, é uma obra de Agustina Bessa-Luís, a partir da qual Manoel de Oliveira criou o filme Francisca. No prefácio da autora pode-se ler: «é um romance conduzido até mim através duma ideia que não me ocorreu a mim. Foi o caso de me terem pedido os diálogos para um filme cujo assunto seria Fanny Owen. Para escrever os diálogos tive que conhecer as circunstâncias que os inspirassem, e a história que os comporta. Assim nasceu o livro e o escrevi».

O filme baseia-se em factos verídicos ocorridos no século XIX, no meio de uma juventude boémia, mas intelectual do Porto, da qual fazia parte o escritor Camilo Castelo Branco. É a vida de um jovem, filho dum oficial inglês que se deixara envolver pelo amor, provocando-lhe o fatalismo e a desgraça. Há uma ambiguidade em Francisca que a confunde, a perturba, envolvendo o espectador numa teia de excitações que não chegam a se concretizar.

Por outro lado, há um olhar da câmara de Oliveira pelos jardins, pelos lagos, que se personificam nos olhares das personagens. Um jogo de imagens, de planos, com a câmara fixa, que nem por isso deixa de dar a sensação de vida, de movimento.

Nota: Francisca, de 1981, é o filme de Manoel de Oliveira, genial realizador português, que completou, a 11 de Dezembro, 103 anos, de que guardo memória mais intensa. Recordo que nessa altura escrevi, num poema: "Francisca, a que via fogo nas coisas mais vulgares".

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

ANIMA


A usura da vasta floração
como se houvesse outra natureza
na imersa natureza da batata
púbis, quieto ardor e expansão
revolver a terra mais enterrada
gesticulando em armações do ar
no fundo de si, o corpo fora de si
Pág. 20

Trazem nas asas fios de humidade
estas manchas, crostas do ar espesso
ou lascas da alma ou lixívia entornada
voam de quarto em quarto, devassados
vigiam a janela das meninas
os caminhos de ferro, apitos longe
sombras e sombras respirando nas escadas
Pág. 26

José Manuel Teixeira da Silva
Ilustrações de Ana Abreu
in ANIMA, Lisboa, Edições Língua Morta

Nota: Preciosa edição, de uma editora que nos reconcilia com o modo puro e desindustrializado de tratar a poesia. Belas imagens, belos poemas de um autor que merece ser lido, desde as Súbitas Permanências, Quasi Edições, 2001.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Povo que lavas no rio

Amália Rodrigues



Estendais

Em alguns invernos mais chuvosos,
em Miragaia que foi a Madragoa de
Pedro Homem de Mello, o Douro
salta a margem e entra pelos arcos
onde se demora no rés-do-chão
das casas, por duas madrugadas.

Mas são os estendais, à janela
agitados pelo vento nas abertas da chuva,
que nos trazem a urgência e a constância
dos corpos, nas mangas pendentes
de camisas, camisolas ou na roupa

interior, última margem dos íntimos rios,
onde os poliesteres aboliram os felpos, os linhos
as cambraias. Só a cor branca dos lençóis teima
lá no alto, a abrir velas ao desejo do sol
e à memória de obscuras lavadeiras, que faziam
heróicas barrelas na espuma inocente do sabão.

Inês Lourenço, A Enganosa Respiração da Manhã
, Asa Editores, Porto,2002.

Fado, do latim fatum; ver origens e história aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fado