sexta-feira, 23 de julho de 2010

COISAS QUE NUNCA


Acabo de receber dois exemplares deste meu novo livro, COISAS QUE NUNCA. Junto vinha um bilhete do meu editor, Vítor Silva Tavares, que aqui transcrevo:

Dois acabadinhos de sair do forno. Degustar com precauções. Perigo de queimar língua e neutralizar papilas gustativas. [Atenção: BABAR, segundo Cândido de Figueiredo, também quer dizer "Estar apaixonado", "Gostar muito".] Evitar excessos!

Um editor destes é um luxo pouco comum, nos dias que correm.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Toponímia da alarvidade



Não deixa de ser caricato o resultado da votação camarária que vetou o nome de José Saramago, como topónimo, para a cidade do Porto. Como portuense, bisneta de portuenses, não deixo de me indignar por semelhante palermice e incoerência cultural. A pequenez conceptual desta gente é tão ridícula, que não entendem que com estas atitudes só mostram de maneira muito eficaz que não percebem a importância da Lusofonia e do Prémio Nobel que a distinguiu e que será sempre um valor inapagável para a nossa Cultura.
Pergunto-me que primazia, na vasta toponímia da cidade do Porto, terão nomes de ruas como Rua Nova, para não falar nas dezenas consagradas a nomes de santos, que já não se identificam muito bem, pois há vários santos com o mesmo nome, como Santa Helena e Santa Isabel, só a título de exemplo.
Nem sempre um acto cultural é dispendioso, como prega a actual presidência da câmara municipal do Porto. Ora aqui está um que pouco ou nada lhe custaria; mas para isso, a dimensão intelectual teria de ser outra.


Câmara do Porto nega nome de rua a Saramago


JN 2010-07-14

CARLA SOFIA LUZ

A maioria PSD/PP, liderada por Rui Rio, que gere a Câmara do Porto recusou fazer uma homenagem póstuma a José Saramago. A proposta partiu da CDU. O vereador Rui Sá sugeriu que o escritor fosse agraciado com a atribuição do seu nome a uma rua do Porto.

Mas a sugestão não foi acolhida pela coligação, que, de acordo com o comunista, não justificou o chumbo. A rejeição foi decidida, ontem, de manhã, no momento da apreciação do voto de pesar pela morte de José Saramago, apresentado por Rui Sá na reunião do Executivo portuense.

A maioria PSD/PP entendeu que a votação deveria ter dois momentos. O primeiro visava o reconhecimento do contributo do escritor para a “divulgação e o prestígio de Portugal” e a apresentação de condolências à família.

A CDU e o PS optaram pelo voto favorável, o presidente e cinco vereadores do PSD/PP abstiveram-se e Manuel Sampaio Pimentel (PP) votou contra.

O segundo momento recomendava a homenagem a Saramago, propondo a atribuição do nome do escritor a uma rua da cidade. No entanto, a recomendação foi chumbada por Rui Rio e pelos seis vereadores do PSD/PP. O vereador socialista Vilhena Pereira optou pela abstenção, enquanto os restantes autarcas da CDU e do PS mantiveram o voto favorável.

O chumbo deixou Rui Sá “chocado”, lamentando que, na liderança de uma “cidade liberal como o Porto”, estejam “os seguidores de Sousa Lara”.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A selvajaria da justiça iraniana


Três juízes, por "convicção", decidem que Sakineh Ashtiani será executada por lapidação.
"Tudo o que peço é uma carta. Quero uma carta para a minha querida mãe. Por favor, escrevam a carta de perdão porque ela é inocente, 100% inocente." Este é o mais recente apelo lançado por Sajjad Ghadarzade, de 22 anos, aos responsáveis iranianos em defesa de Sakineh Mohammadi Ashtiani, a mulher que a "convicção" de três juizes condenou à morte por lapidação. Uma decisão que voltou a colocar o Irão no banco dos réus da comunidade internacional.
A lapidação, ou seja a morte por apedrejamento, foi classificada por John Kerry como "uma punição bárbara". Para este democrata, presidente da Comissão de Relações Externas do Senado dos EUA, o Governo do Irão "deve abolir tal método como uma forma de punição legítima". Howard Berman, presidente da Comissão de Relações Externas da Câmara dos Representantes dos EUA, considerou a decisão "desumana".
Em Londres, várias vozes - inclusive de artistas como Colin Firth e Emma Thompson - insurgiram-se contra a "sentença dos três juizes". "A lapidação é uma punição medieval que não tem lugar no mundo moderno", disse Alistair Burt, responsável no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
"Profundamente preocupada" com as notícias de execuções iminentes no Irão, entre elas a de Sakineh, foi como se afirmou a chefe da diplomacia da União Europeia, Catherine Ashton.
Outros países fizeram também ouvir a sua voz junto das autoridades iranianas. O embaixador do Irão em Oslo foi, a propósito, convocado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros norueguês para explicar a situação. Isto enquanto organizações de defesa dos direitos humanos, como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, desenvolvem intensos esforços junto das autoridades iranianas para que poupem a vida a Sakineh. O seu filho mais vellho corre o risco de ser preso por ter enviado uma carta às organizações de defesa dos direitos humanos a rejeitar as acusações de adultério e a denunciar o mutismo das autoridades iranianas face aos seus pedidos de clemência. A angústia e o desespero de Sajad e da sua irmã Farideh, de 17 anos, derivam da eventual perda da mãe e da forma brutal como a 'justiça' decidiu que seria executada.
Integrada oficialmente no código penal iraniano com a Revolução Islâmica de 1979, a lapidação é sempre feita em público e na presença da família da vítima que, no caso da mulher, é enterrada até ao peito e apedrejada até à morte por 20 homens. As pedras utilizadas não podem ser muito grandes, para que não a matem de imediato, nem muito pequenas.
Sajad esgotou todos os meios, bateu a todas as portas para salvar a mãe, até que alguém lhe disse: "Agora só [o guia supremo] aytollah Khamenei ou o chefe do sistema judicial iraniano, Sadegh Larijani poderão evitar a execução". O jovem escreveu aos dois responsáveis. E ao mundo: "A minha mãe e eu estamos a pedir a todas as pessoas do mundo que nos ajudem e estamos muito gratos pelo que foi feito até agora." (DN-09-07-2010).

terça-feira, 6 de julho de 2010

Matilde Rosa Araújo (1921-2010)



Matilde Rosa Araújo nasceu em Lisboa em 1921. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Foi professora do Ensino Técnico Profissional em Lisboa e noutras cidades do País, assim como professora do primeiro Curso de Literatura para a Infância, que teve lugar na Escola do Magistério Primário de Lisboa.
Exerceu a sua actividade como professora, na cidade do Porto.
Autora de mais de duas dezenas de livros de contos e poesia para crianças, a sua temática centra-se em torno de três grandes eixos de orientação: a infância dourada, a infância agredida e a infância como projecto.
Dedicou-se, ao longo da sua vida, aos problemas da criança e à defesa dos seus direitos.
É autora de alguns volumes sobre a importância da infância na criação literária para adultos, sobre a importância da Literatura Infanto-Juvenil na formação da criança e sobre a educação do sentimento poético como mais-valia pedagógica.

Prémios: Grande Prémio de Literatura para Criança da Fundação Calouste Gulbenkian ex-aequo com Ricardo Alberty, em 1980; Prémio atribuído pela primeira vez, para o melhor livro estrangeiro (novela O Palhaço Verde), pela associação Paulista de Críticos de Arte de São Paulo, Brasil, em 1991;
Prémio para o melhor livro para a Infância publicado no biénio 1994-1995, pelo livro de poemas Fadas Verdes, atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian, em 1996.

Figuinho da capa rota

Figuinho da capa rota
É tão pobre e tão rotinho;
Figuinho da capa rota
Foi rota devagarinho

Figuinho da capa rota,
Ai quem te quer almoçar
Figuinho da capa rota
Eu nem o posso provar…

Figuinho da capa rota,
Verde nos primeiros tempos
Veio o Sol e veio a Lua,
Vieram chuvas e ventos.

Figuinho da capa rota,
Que nasceu da mãe-figueira,
Teve sóis e teve luar,
Pássaros à sua beira.

Figuinho da capa rota
Bicado pelos passarinhos:
Figuinho da capa rota
Ninguém lhe põe remendinhos.

Figuinho da capa rota
Tornou-se da cor do mel;
O tempo veio rompê-lo,
Rasgou-se como papel…

Mas agora a mãe-figueira
Está com folhas e sem fruto,
Que o verde é sua maneira
Muito simples de pôr luto.

Araújo, Matilde Rosa , Livro da Tila.
Coimbra: Atlântida Editora, 1973,p.73

Nota - MRA foi minha professora de francês aqui no Porto, pelos meus treze ou catorze anos. Era realmente uma pessoa extraordinária, um ser diferente, que parecia reunir todas as virtudes superlativamente expressas numa simplicidade cheia de grandeza. Foi com ela que clnheci Valéry e Baudelaire, que não eram do programa.
4 Até sempre, Tila.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Catulo (séc. I A.C.)

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Ó lasciva taberna e vós companheiros,
Frequentadores do nono pilar após os gémeos embarretados (*),
Acaso pensais que só vós tendes pilas,
Que só vós podeis fornicar qualquer rapariga
E que os outros fedem a bode?
Só porque vos sentais em fila, cem ou duzentos imbecis,
Pensais, acaso, que eu não ousaria,
De uma só vez, meter o que é meu pela boca de duzentos sentados?
Mas pensai: com efeito, sobre todos vós
Na fachada da taberna escreverei obscenidades,
Pois a rapariga, a que fugiu do meu enlaço,
Por mim amada quanto nenhuma antes fora,
Pela qual travei grandes batalhas,
Tomou aí assento. Nobres e ricos,
Todos vós a cortejais, o que é, todavia, indigno,
Todos vós sois tacanhos e devassos de vielas;
E tu mais do que os outros, ó modelo dos cabeludos,
Filho da Celtibéria fértil em coelhos,
Inácio, a quem nobilitou a densa barba
E o dente esfregado com urina ibérica.

(*) Referência ao templo de Castor e Polux, representados com barretes cónicos.

- In «Poemas de Amor - Antologia Poértica Latina (I a.C. a III)», Ed. Relógio D'Água, Lisboa, 2009

selecção e trad. comebtada de
Inês de Ornellas e Castro e Maria Mafalda de Oliveira Viana

Nota: Eis um poema do celebérrimo poeta latino Catulo, que demonstra claramente a não inclusão do Latim na panóplia da religiosidade crística. Foi, efectivamente, o cristianismo que se assenhoriou desta bela língua pagã e do paganismo, para difundir as suas "verdades". Assim, todos os "inteligentes" que, no PREC, por pura iliteracia, se apressaram a varrer a disciplina de Latim do ensino secundário, por ser coisa facista e de padrecas, deviam estar na fila dos duzentos a que alude o poema.