terça-feira, 28 de junho de 2011

Música Portuguesa da República


Sofia Lourenço (Piano)
Maria João Matos (Soprano)
Francisco de Lacerda, Alfredo Keil e Vianna da Motta
Concerto em Paredes de Coura, a 25 de Abril de 2011

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Quadras sanjoaninas

S. João faz uma graça
Ao bom povo português:
O agiota escorraça
mais a mãezinha que o fez.

Dá-nos juros a Europa
Que não podemos pagar;
Matar à fome esta tropa
É o que nos vai calhar.

E já agora não se enjeita
Um favorzinho também:
Livra-nos desta Direita
Pater noster, gloria, amen.

Vamos comendo as sardinhas
E os pimentos na brasa,
Esquecendo as magrinhas
Alegrias cá de casa.

De Portas e de Coelho
E da Esquerda arruaceira
Salva apenas em vermelho
Uma rosa toda inteira.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

João Habitualmente

APOCALIPSE

João Habitualmente


1

recatai-vos velhas
fugi para a igreja
abanai o sino
fechai bem no quarto
o vosso netinho
o vosso menino
para que não veja
para que não saiba
para que não seja
assim como esses
que são cabeludos
que só têm barba
dizem palavrões
e dão encontrões
nas ruas da baixa
aos senhores sisudos

são uns parvalhões
recatai-vos velhas
trazei um polícia
uma esquadra inteira
ai tanta sujeira
imaginem só
andam-se a drogar
até metem dó
a cambalear

isto está perdido
ó velhas fugi
e para ali
que aqui está fodido

recatai-vos velhas
tapai as orelhas
guardai o menino
fechai-o no quarto
metei-o na cama
para que não veja
para que não ouça
para que não seja
para que não tenha
para que não venha
perdeu-se o respeito
já não há moral

ó velhas fugi
olhem para ali
beijam-se na rua
fodem ao luar
antes de casar
já nem vão à tropa
só querem dinheiro
todo para estourar
já nem vão às putas
mostrar que são homens

ó senhor prior
já nem vão à missa
não têm missal
isto é um horror
vamos mesmo mal

fechai os olhos
não vejais o netinho
guardai-o no fundo
de um quarto comprido
para que não veja
para que não tenha
para que não seja
para que não venha
recatai-vos velhas
que já nem na praia
se consegue estar
ó virgem maria
ó senhor do céu
essas estrangeiras
deu-lhes para andar
de mamas ao léu
a tremelicar

ó velhas cuidado
assim é que não
inda a procissão
só vai no adro
não deixes que a merda
se ponha a medrar
gritai pelas ruas
falai prós jornais
morra a juventude
fine a desvergonha

chamemos quem ponha
estes animais
c'o a corda rente
ó velhas chamai
o presidente

2

libertai-vos velhas
vinde para o sol
dançar rock n' roll
ide até a lua
c'uma ganza fixe
esticai o dedo
panhai boleia
fumai muito haxixe
ponde a casa cheia
dos nossos poetas
dos nosso malucos
andai de autocarro
a fugir ao pica

libertai-vos velhas
não pagueis a taxa
acabai com a graxa
aos vossos patrões
cagai no juízo
nas boas maneiras
cagai nas peneiras

ó velhas então?
vinde para aqui
para a confusão
ó velhas vesti
uma mini-saia
deixai que vos caia
esse ar tão mortiço
essa cara chocha
mostrai a coxa
gritai uma asneira
uma malandrice

pelos microfones
das rádios-pirata
ouvi os Police
os Rolling Stones
não vos afoguei
em mais água benta
bebei um bagaço
jogai a dinheiro
ide ao cangalheiro
adiai a morte
ide pelo mundo
por estradas à sorte
vinde para aqui
para o reviralho
e se não quiserdes
ide para o caralho!

(in "Agradecemos", Edições Pé-de-Cabra, 1995)

segunda-feira, 13 de junho de 2011

O recato dos cães-de-fila

A Direita recentemente eleita em Portugal, pede agora recato, discrição e congeminações políticas fora da "praça pública". Então onde estão as "transparências" que tanto apregoavam enquanto depejavam as piores escórias sobre Sócrates e o seu governo?
Ainda há-de ser feito um estudo de base psicanalítica da identidade lusa, acerca da demonização da figura de Sócrates levada a efeito, não só pelas classes pouco instruídas, mas também pelas classes mais informadas e com responsabilidades teóricas. Estas, mal dissimulando os seus interesses partidários e ressentimentos de vária índole, acabaram por engrossar o caudal de mastins agressivos e mentalmente pútridos que se colocaram ao lado dos guerrilheiros anti-Sócrates.
A parvoíce foi tamanha que, na noite das eleições, ouvi ingénuas cidadãs a festejar a vitória das direitas com a frase: "O que interssava era tirar de lá o Sócrates." Ainda hoje fui ao meu dentista, que citando o merceeiro Belmiro de Azevedo, disse mais ou menos o mesmo.
E então qual a reflexão, o progresso social ou ideológico, a ética republicana, o humanismo que reflectem estes "desabafos"? Ou o ganho económico?
Da cegueira de um Zé Povinho iletrado, com os seus "tomas" e outros meneios básicos, ainda se poderá esperar tudo e, quiçá, desculpar outro tanto, mas de gente como José Gil, que escreveu sobre o medo de existir dos portugueses, ou António Barreto, sociólogo com peneiras a presidenciável, não se esperava atitudes tão odientas.
Quanto ao António Barreto, indigitado para presidir às comemorações do Dia de Portugal por Cavaco Silva, é de facto mais uma das singulares opções para tal efeito, do PR. Pobre Camões, tão menosprezado pelos poderes do seu tempo, e que serve de álibi para uns políticos narcísicos, cheios de ganância de poder e das mais-valias que ele confere, cantarem de galo umas soturnas contradições.
Aliás, o PR Cavaco Silva tem uma espécie de toque de Midas invertido: rodeia-se de gente questionável a muitos títulos, tipo Dias Loureiro, Catroga, Manuela Ferreira Leite, etc. Foi deprimente a lista de condecorações do 10 de Junho. A seguir a MFL, boa percentagem de grandes postos militares. A disfarçar, lá estava um bombeiro com cem anos.

Álvaro de Campos

Poema em linha recta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Nota:
Hoje é dia de aniversário de Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935). Evoca-se aqui este célebre poema do heterónimo Álvaro de Campos, o sensacionista ("Sentir tudo de todas as maneiras"), dedicado a todos os portugueses que nas últimas eleições votaram à Direita.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Camões sempre luminoso



Esparsa ao desconcerto do mundo

Os bons vi sempre passar
no mundo graves tormentos;
e, pera mais me espantar,
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
o bem tão mal ordenado,
fui mau; mas fui castigado.
Assim que só pera mim
anda o mundo concertado.


Luís de Camões (1524? - 1580)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Vitaly Margulis


Vitaly Margulis, pianista, pedagogo e autor de estudos filosóficos musicais, nasceu a 16 de Abril de 1928, na cidade ucraniana de Charkov. Morreu, no passado dia 29 de Maio em Los Angeles onde, desde 1994, ensinava na Universidade da Califórnia.
Com o pai, que teve como professor Alexandre Horowitz, aluno de Alexander Scriabin, teve as suas primeiras lições de piano. Continuou os seus estudos no conceituado Conservatório de Leninegrado, com o professor Samarij Sawshinskij, onde, de 1958 até à sua partida para a América em 1974, ministrou a sua própria classe de piano. Durante essa época, Vitaly Margulis triunfou em mais de um milhar de concertos por toda a Rússia.
(Ver mais aqui e aqui)
Nota:
Conheci este grande pianista nos anos 90, em São Petersburgo, e tive a honra de o ter como guia em algumas zonas da cidade, inesquecíveis para a minha memória cultural. Cito, por exemplo, uma área habitacional do tempo de Dostoievski, onde teria tido lugar o enredo do conhecido romance "Crime e Castigo". Outros lugares, como o Conservatório Rimsky-Korsakov, onde a Sofia (Lourenço) actuou, a casa-museu Alexander Pushkin, a necrópole dos artistas onde estão sepultados, além de Dostoievski, Tchaikovsky, Borodine, Glinka, etc. Revi-o há uns anos, em Óbidos, onde costumava deslocar-se no Verão para ministrar cursos de aperfeiçoamento e, simultâneamente, deliciar-nos com as suas performances.

O velho ilusionista

Então não é que o revelho patrão da SIC e do Expresso, do alto do seu poderio capitalista e com fumaças de aristocracia, vem chamar velho ilusionista a Sócrates? O "ilusionismo" de certos jornalistas e comentadores da SIC, que quando apresentam os seus programas só lhes falta o emblema laranja na lapela, é confrangedor. E isto não é de agora. Sempre perseguiram Sócrates e o PS, à compita com a MMG, da TVI, desde o primeiro momento. Isto para não falar das vasas que tem dado às forças de direita, no conhecido programa "Quadratura do Círculo", onde só a António Costa é permitido contestar a verrina e a má fé de Pachecos e Lobos. O número de economistas e politólogos, para usar essa caricata expressão, todos de direita, é um enfado. E aquele case study do Medina Carreira, que até se atreveu a dizer que quando Portugal foi mais próspero, foi no tempo de Salazar? Este, mais o dos pentelhos deviam de fazer uma reciclagem aos neurónios. Quanto ao semanário Expresso e suas orientações editoriais, sob uma capa democrática, quando a bota aperta, vê-se bem a escolha dos títulos... Vamos esperar para ver os ilusionistas que vão afadistar Portugal do lado da sina desgraçadinha.