segunda-feira, 25 de março de 2013

Amalia Bautista

OS MEUS MELHORES DESEJOS

Que a vida te pareça suportável.
Que a culpa não afogue a esperança.
Que não te rendas nunca.
Que o caminho que sigas seja sempre escolhido
entre dois pelo menos.
Que te interesse a vida tanto como tu a ela.
Que não te apanhe o vício
de prolongar as despedidas.
E que o peso da terra seja leve
sobre os teus pobres ossos.
Que a tua recordação ponha lágrimas nos olhos
de quem nunca te disse que te amava.

in "Estou Ausente", Averno 2013, pág 21, trad. de Inês Dias.


sexta-feira, 22 de março de 2013

Oscar Lopes


Seu filho, Sergio Lopes,  acaba de nos comunicar o falecimento de seu pai, Oscar Lopes,
esta tarde.

O corpo estará até amanhã exposto na Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, em frente do café Garça Real, na Praça D.João I .

Sábado, ás 15 horas , haverá uma pequena cerimónia, com uma intervenção de um membro do PCP e  outra a cargo da Prof. Doutora Isabel Pires de Lima,  finda a qual o corpo seguirá para o crematório do cemitério de Matozinhos

 
Breve Nota Biográfica


 









Oscar Lopes (1917 – 2013)
 Licenciou-se em Filologia Clássica, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e em Ciências Histórico-Filosóficas, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Foi professor efectivo do Liceu Nacional de Vila Real e dos liceus Alexandre Herculano e Rodrigues de Freitas, do Porto. Em 1975 ingressou, como professor catedrático, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde se jubilou.
Militante do Partido Comunista Português, fez parte do seu Comité Central.
Crítico literário, publicou uma vasta colaboração em diversos jornais e revistas, onde se destacam a Seara Nova, a Vértice, o Mundo Literário, o Colóquio/Letras e o suplemento literário de O Comércio do Porto.
Pelos seus trabalhos de ensaio e crítica recebeu o prémio Rodrigues Sampaio da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto e o prémio Jacinto do Prado Coelho (1985), instituido pelo Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários.

 Na Universidade do Porto desempenhou, entre outros cargos, o de vice-reitor da Universidade (1974-1975) e o de director da Faculdade de Letras (1974-1976).
Recebeu a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública, em 1989, e a Ordem da Liberdade, em 2006.
É autor de dezenas de obras no domínio da linguística e da literatura, de que destacamos:
 na  Linguística
- Gramática simbólica do português. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2.ª ed., corrigida, 1972.

 - Entre a palavra e o discurso: Estudos de Linguística (1977-1993). Porto, Campo das Letras, 2005.
na Literatura e crítica literária
-  História da Literatura Portuguesa (com António José Saraiva).

-  Antero de Quental: Vida e Legado de Uma Utopia. Lisboa, Editorial Caminho, 1983.
-  Os Sinais e os Sentidos: Literatura Portuguesa do Século XX. Lisboa, Editorial Caminho, 1986.

- Entre Fialho e Nemésio: Estudos de Literatura Portuguesa Contemporânea. 2 vols., Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Dia Mundial da Poesia

ANONYMUS


Não me tragas um poema
de sentidos inócuos, nem engenharias gráficas a ocupar
a página. Afasta-te dos bons sentimentos, das
mansas paisagens com asas de permeio
ou brancas flores de salgueiro. Modela o barro
das palavras como um artesão anónimo
inventa a própria ferramenta
a ferir os dedos
na proximidade da pedra


E não incandesças no ludíbrio
do amor. Esse também pouco vale
mais que um mero espelho, se
a ti próprio procuras possuir ou vencer
em quem julgas amar


Nem me fales da luz dos deuses,
que já envelheceram
há milhares de galáxias
caídos na demência senil
e caídos nós nesta orfandade sem mistério


No dia paralelo ao
teu nascimento, decerto transporás
a porta das horas pela derradeira vez
ciente por fim da vacuidade
dos versos onde te escondeste.


Inês Lourenço
2013

terça-feira, 19 de março de 2013

Sermão do Bom Ladrão


Não são ladrões apenas os que cortam as bolsas.Os ladrões que mais merecem este título são aqueles a quem os reis
encomendam os exércitos e as legiões, ou o governo das províncias, ou a
administração das cidades, os quais, pela manha ou pela força, roubam e
despojam os povos.
Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros
furtam correndo risco, estes furtam sem temor nem perigo.
Os outros, se furtam, são enforcados; mas estes furtam e enforcam.


Padre António Vieira

sábado, 16 de março de 2013

Natália Correia

São Miguel, 13 de Setembro de 1923 — Lisboa, 16 de Março de 1993



A defesa do poeta



  Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto

Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim

Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes

Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei

Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em criança que salvo
do incêndio da vossa lição

Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis

Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além

Senhores três quatro cinco e Sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?

Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa

Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.

Natália Correia

terça-feira, 12 de março de 2013

sexta-feira, 8 de março de 2013

Fruto Proibido


Ela era a árvore da sabedoria. Erguia-se no centro do Éden. E o par bíblico estava impedido pela divindade, uma certa divindade bastante despótica, de consumir os frutos que dela pendiam iridiscentes e mágicos. Até que no decorrer daquele tempo indefinível e sem medida, que é o tempo gerido pelos deuses, a parte feminina do casal decidiu ceder à tentação da busca do conhecimento, às rotas ignoradas do Bem e do Mal, coisas imponderáveis até ali. Não sabia, pois a acção de saber era-lhe interdita, se ela própria existia há séculos ou milénios naquele ininterrupto estado edénico de inconsciência. Pois nada se renovava porque nada morria, nada se construía porque nada era destruído. E assim se iniciou a História da Humanidade, graças a uma mulher e a uma árvore.

A celebração de cinco décadas da Cooperativa Árvore, sita no Passeio das Virtudes, na cidade do Porto, convocando simultaneamente a data de 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, numa tessitura criativa da autoria de 50 mulheres, transporta-nos pelos materiais eleitos, como a lã em diversos estádios ou o burel, a uma ancestralidade simbólica de onde é possível interrogar percursos, avanços e recuos. Assim como a simbólica que acompanha a figuração da árvore se impõe pela completude que a define: simultaneamente ligada às raízes e à Mãe Terra mas também a uma verticalidade celeste, que a faz assim detentora de todas as forças do Cosmos, num todo harmonioso, onde não há exclusões.

Neste ano de 2013 e apesar da enorme caminhada percorrida no que ao estatuto das mulheres nas sociedades diz respeito, sobretudo nas sociedades do comummente denominado Ocidente, interrogamo-nos ainda perante práticas selváticas como a da violência doméstica e os assassínios de esposas e companheiras que perfazem, no nosso país algumas dezenas por ano, sem contar com as tentativas de homicídio que não chegam a provocar a morte, mas originam brutais lesões físicas e psíquicas. A realização profissional sai muitas vezes prejudicada e até abandonada devido às tarefas familiares, que muito lentamente começaram a ser partilhadas pelo elemento masculino do casal. De notar que as próprias mulheres tardam em reconhecer estas candentes questões de género e não se obstinam em mudar os modelos arcaicos que herdaram das mães e avós e prolongam nos filhos e na auto-estima, que reduzem apenas às proporções da silhueta, as segregações de género em que foram educadas. No mundo islâmico a condição feminina é deplorável, desde as burkas e outras peças de vestuário obrigatórias, até às mutilações genitais de meninas, aos casamentos encomendados pela família ou às sentenças de morte pelo crime de violação de que foram as vítimas. Casos recentes desde a Nigéria ao Paquistão têm sido notícia e motivo de pedidos de clemência por parte de organizações internacionais de Direitos Humanos. O flagelo das violações, em muitas zonas do Planeta, foi ultimamente posto em evidência pelo horrendo episódio indiano, em que uma jovem estudante foi vítima de um grupo de estupradores, dentro de um autocarro, incluindo o próprio motorista.

Para terminar esta breve evocação da situação actual das mulheres, no mundo, terá porventura algum interesse lembrar aqui a figura de Carlota Beatriz Ângelo (1871-1911), nascida na Guarda, onde há uma escola com o seu nome, que foi a primeira eleitora portuguesa e das primeiras da Europa. Licenciada em Medicina pela Escola Politécnica de Lisboa, conseguiu mercê do veredicto de um tribunal, o direito a votar para a Assembleia Constituinte, em 1911, direito só atribuído aos cidadãos chefes de família, que soubessem ler e escrever. Como Carlota estava viúva e era mãe, foi possível apresentar-se como chefe de família e assim poder votar após larga controvérsia. Porém, logo no ano seguinte a lei foi modificada, não fosse o diabo tecê-las e foi aposto no texto legal aos ditos cidadãos “do sexo masculino”. O sufrágio universal, a que iriam ter acesso todas as mulheres portuguesas, só se concretizou após a revolução de 25 de Abril, de 1974. Tinham passado mais de 60 anos.

Março de 2013
Inês Lourenço