terça-feira, 27 de dezembro de 2011

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Cecilia Bartoli

Eduardo Lourenço


Uma boa notícia, neste fim de ano, foi a atribuição do Prémio Pessoa ao filósofo e ensaísta Eduardo Lourenço. Um grande pensador da nossa identidade, com obras como O Labirinto da Saudade, Nós e a Europa ou as Duas Razões, Nós Como Futuro, etc. Este notável heterodoxo é igualmente um grande estudioso do texto poético, nomeadamente da obra pessoana, com títulos como Fernando Pessoa Revisitado, ou Fernando, Rei da Nossa Baviera. Nomes como Fernando Pessoa e Eduardo Lourenço reabilitam a nossa esperança, nestes tempos de penúrias diversas.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

José Miguel Silva


Preocupações naturais

Eu não tinha muita coisa e hoje tenho
a soma dos teus passos quando desces
a correr os nossos treze degraus e
me prometes: até logo. Mas se
nada (ou só o nada) está escrito,
quem mais ama é quem mais tem
a recear. Com isso, passo as horas
num rebate de dramáticos motivos:
engano-me na roda dos temperos,
ponho sal na cafeteira, maionese
no saleiro, vejo o mel mudar de cor
e se me chama o telefone empalideço
como o rosto do relógio da cozinha.
Só sossego quando as gatas me garantem
que chegaste e posso então, aliviado,
unir-me ao coro de miaus que te recebe,
para mais uma noite roubada ao escuro.


Poupanças

A teu lado não me importam as notícias,
que tivemos o Inverno mais seco de sempre,
e a guerra, o petróleo, o bulício dos tolos.
Os jornais não trazem nada que me possa
interessar: que aprendeste finalmente a cair
de bicicleta, tens consulta para ontem
com o médico das costas e o teu sono
continua perturbado por afãs de perfeição.

O amor é assim, deixa o logro do mundo
a ganir à porta. Vai tu à janela, se queres,
e atira-lhe um osso de atenção. Eu já não
creio que a história seja o melhor amigo
do homem - tu sim, felicidade perceptível,
âncora do tempo, senhora do Marão. Graças
a ti já comecei a poupar uns oito euros
por semana em semanários, arrelias e afins.


Too Big do Fail

Como pode um investimento tão fiável
garantir este rendimento crescente, numa
diária distribuição de beijos e outras mais-
-valias, ainda por cima livres de impostos?

Embora confiasse na tua competência
para criar valor, confesso que não esperava
tanto quando decidi aplicar nos teus títulos
sensíveis os meus parcos activos emocionais.

O mais estranho, no mundo actual, é ser este
um negócio sem perdedores, aparentemente
imune ao nervosismo das tuas acções
ou às flutuações do meu comércio libidinal.

O meu único receio é que despertemos
a invejo dos deuses, no Olimpo de Bruxelas,
e que Mercado, o monstruoso titã, decida
baixar para lixo o rating da nossa relação,

deixando-nos sem crédito na praça romanesca
e em default o coração. Mas não sejamos
pessimistas. Aliás, ambos sabemos que Cupido
nos ampara com sua mão invisível. E mesmo

que entrássemos ambos em depressão, tenho
a certeza de que o Estado português nos daria
todo o apoio, concordando que um amor como
este é simplesmente demasiado grande para falir.

In Serém, 24 de Março, Averno,Lisboa, 2011.

Nota: Estes notáveis poemas do último livro de JMS fazem-nos acreditar, plenamente, que pelo menos a poesia portuguesa não está em crise. A edição da Averno com desenhos de Luís Manuel Gaspar é, como de costume, de um grande conseguimento estético, inserida numa filosofia própria de tratar o texto poético.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Manoel de Oliveira




Fanny Owen, é uma obra de Agustina Bessa-Luís, a partir da qual Manoel de Oliveira criou o filme Francisca. No prefácio da autora pode-se ler: «é um romance conduzido até mim através duma ideia que não me ocorreu a mim. Foi o caso de me terem pedido os diálogos para um filme cujo assunto seria Fanny Owen. Para escrever os diálogos tive que conhecer as circunstâncias que os inspirassem, e a história que os comporta. Assim nasceu o livro e o escrevi».

O filme baseia-se em factos verídicos ocorridos no século XIX, no meio de uma juventude boémia, mas intelectual do Porto, da qual fazia parte o escritor Camilo Castelo Branco. É a vida de um jovem, filho dum oficial inglês que se deixara envolver pelo amor, provocando-lhe o fatalismo e a desgraça. Há uma ambiguidade em Francisca que a confunde, a perturba, envolvendo o espectador numa teia de excitações que não chegam a se concretizar.

Por outro lado, há um olhar da câmara de Oliveira pelos jardins, pelos lagos, que se personificam nos olhares das personagens. Um jogo de imagens, de planos, com a câmara fixa, que nem por isso deixa de dar a sensação de vida, de movimento.

Nota: Francisca, de 1981, é o filme de Manoel de Oliveira, genial realizador português, que completou, a 11 de Dezembro, 103 anos, de que guardo memória mais intensa. Recordo que nessa altura escrevi, num poema: "Francisca, a que via fogo nas coisas mais vulgares".

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

ANIMA


A usura da vasta floração
como se houvesse outra natureza
na imersa natureza da batata
púbis, quieto ardor e expansão
revolver a terra mais enterrada
gesticulando em armações do ar
no fundo de si, o corpo fora de si
Pág. 20

Trazem nas asas fios de humidade
estas manchas, crostas do ar espesso
ou lascas da alma ou lixívia entornada
voam de quarto em quarto, devassados
vigiam a janela das meninas
os caminhos de ferro, apitos longe
sombras e sombras respirando nas escadas
Pág. 26

José Manuel Teixeira da Silva
Ilustrações de Ana Abreu
in ANIMA, Lisboa, Edições Língua Morta

Nota: Preciosa edição, de uma editora que nos reconcilia com o modo puro e desindustrializado de tratar a poesia. Belas imagens, belos poemas de um autor que merece ser lido, desde as Súbitas Permanências, Quasi Edições, 2001.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Povo que lavas no rio

Amália Rodrigues



Estendais

Em alguns invernos mais chuvosos,
em Miragaia que foi a Madragoa de
Pedro Homem de Mello, o Douro
salta a margem e entra pelos arcos
onde se demora no rés-do-chão
das casas, por duas madrugadas.

Mas são os estendais, à janela
agitados pelo vento nas abertas da chuva,
que nos trazem a urgência e a constância
dos corpos, nas mangas pendentes
de camisas, camisolas ou na roupa

interior, última margem dos íntimos rios,
onde os poliesteres aboliram os felpos, os linhos
as cambraias. Só a cor branca dos lençóis teima
lá no alto, a abrir velas ao desejo do sol
e à memória de obscuras lavadeiras, que faziam
heróicas barrelas na espuma inocente do sabão.

Inês Lourenço, A Enganosa Respiração da Manhã
, Asa Editores, Porto,2002.

Fado, do latim fatum; ver origens e história aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fado

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O fado do fado é cantar

Fados são coisas que se cantam e que tanto encantam como desencantam:

Aldina Duarte

Marceneiro

Carminho,Alexandre O'Neill


Carlos do Carmo, Ary


Camané

Paulo Bragança

É que, expressão de realce, se quem canta seu mal espanta -  não é menos verdade que
quem espanta seu mal canta. (Pilantra dixit)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

GREVE

Greve, sim. Não apenas por causa da austeridade, da perda de subsídios e cortes nos vencimentos, congelamentos vários, desemprego e falências de toda a ordem. Mas também pelo previsível ataque, que as forças da antigalha conservadora, não deixarão de lançar às leis que europeizaram a sociedade portuguesa. Em Espanha, os recém-chegados ao poder, velhas raposas há muito conhecidas, já falaram em rever a lei do Casamento Gay e quiçá da Lei do Aborto.



Mas, ainda muito mais greve a este estado actual de subserviência a troikas mandonas, a agências de rating usurárias e sem rosto, à perda cada vez mais dolorosa da nossa independência política na senda da económica. Acima de qualquer governo que os portugueses possam eleger estão os ditames do FMI, do BEI e da Finança Internacional.


Quem é esta gente, estes merceeiros sem escrúpulos para mandar num país que tem as fronteiras mais antigas da Europa? Sim, porque alemanhas, itálias, áustrias, franças, já para não falar na grande nação norte americana que só nasceu no século XVIII, não passavam de constelações de principados e domínios senhoriais, quando Portugal já era uma nação autónoma e una, que cunhava moeda há muitos séculos. A Itália só se unificou com Garibaldi, no século XIX; a Alemanha, com Bismarck, idem, isto só para citar dois exemplos.

Por isso, causa algumas náuseas ver o sindroma Passos Coelho de bom aluno papalvo, atento e venerador, perante a ditadura dos mercados e seus representantes.


Que havemos de fazer???

Talvez mantermo-nos com as nossas sardinhas assadas e o nosso caldo verde, acompanhadas com um bom naco de boroa. Desistirmos dos Mercedes, casas com piscina e outras mordomias passíveis de substituição por artefactos mais modestos. Um País que tem um Camões e um Pessoa, não pode curvar a cabeça a essa gentalha, novos-ricos da História que estão a precipitar a decadência da civilização europeia e dos seus valores mais admiráveis.


POR TUDO ISTO, ESTAMOS EM GREVE.


quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Leonardo di Caprio pintou a Capela Sistina

Vox Pop: A ignorância dos nossos universitários



16-11-2011


Enquanto Portugal se ri da auxiliar de acção médica concorrente da Casa dos Segredos, que julga que África é um país da América do Sul, a SÁBADO fez um teste básico a 100 alunos de universidades de Lisboa.



Ana Amaro, de 18 anos, que frequenta a licenciatura com o mestrado integrado em Psicologia do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), está a fumar à porta da faculdade, em Alfama. Aceita participar no teste de cultura geral da SÁBADO (20 perguntas, divididas por dois questionários de 10, ambos com um grau de dificuldade mínimo), mas está mais preocupada em acabar o cigarro. À quinta questão (qual é a capital dos Estados Unidos?), começa a atrapalhar-se. “Estados Unidos...? A esta hora é muita mau”, queixa-se. Não são 7h, são 13h30, e os colegas começam a sair para o almoço. Mas Ana parece ter acordado há 10 minutos, suspeita que a própria confirma.

A partir daí, é sempre a cair.



Não sabe quem escreveu O Evangelho Segundo Jesus Cristo, quem fundou a Microsoft, quem é Maria João Pires nem que instrumento toca. E não parece preocupada. Afinal, acabou de acordar.

“Não dei isso no 12.º ano”, “Cinema não é comigo”, “Não me dou bem com a literatura” – na arte de justificar a ignorância, os estudantes universitários inquiridos pela SÁBADO têm nota máxima. “Se perguntasse alguma coisa de psicologia, agora cultura geral...”, diz Janine Pinto, optando pela desculpa número um.



– Quem pintou o tecto da Capela Sistina?

– Ai, agora... Tudo o que tem a ver com capelas e igrejas não sei (desculpa número dois dos universitários).

– E quem escreveu O Evangelho Segundo Jesus Cristo?

– Eh pá! Coisas com Jesus Cristo?! Sou fraca em religião ... (desculpa número três).

E se é que isto serve de desculpa, aqui vai a número quatro: Janine, tal como muitos outros inquiridos, não está num curso de Teologia, nem de Artes.



Mas Bruno Marques, 18 anos, no 1.º ano de Ciências da Cultura na Faculdade de Letras, escorrega num tema que deveria dominar.

– Quem é Manoel de Oliveira?

– Já ouvi falar, mas não sei quem é.

– Estás em Ciências da Cultura. Dás Cinema?

– Sim, algumas coisinhas, mas não sei...



Pedro Besugo, 18 anos, estreante no curso de Turismo da Lusófona, admite não saber qual é a capital de Itália. Perante a insistência da SÁBADO (“Então estás a tirar Turismo e não sabes?”), responde: “Será Florença?” Não é. Como também não é Veneza, nem Milão ou Nápoles, como outros responderam.



Não saber quem pintou a Capela Sistina ou Mona Lisa (um aluno responde Miguel Arcanjo; outro Leonardo di Caprio) é igualmente grave. Talvez não tanto como pensar que África é um país da América do Sul ou não fazer ideia do que é um alpendre. Mas Cátia Palhinhas, do reality show Casa dos Segredos2, autora destas e de outras respostas, que põem o público a rir, não frequenta o ensino superior – é auxiliar de acção médica e está a tirar o 12.º ano à noite no programa Novas Oportunidades.



Aos 22 anos, sonha tornar-se “conhecida e vencer na televisão”. Por isso, não está nada preocupada em saber qual o maior mamífero do mundo – “É o dinossauro!”, disse há umas semanas.

Há universitários que respondem “mamute” à mesma questão. Catarina, 20 anos, aluna de Psicologia do ISPA, fica na dúvida: “É o elefante. É o mamute. É o elefante. Acho que é o elefante. O elefante é de África e o mamute da Antárctida”.

Por André Barbosa e Tânia Pereirinha e imagem de Joana Mouta e Bruno Vaz.

In Revista Sábado

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Eugénio, sempre

Carlos Torres Figueiredo vence Prémio de Poesia Eugénio de Andrade

O volume “A Criança que Ri.” valeu a Carlos Torres Figueiredo – um nome até agora desconhecido no mundo literário – o Prémio de Poesia Eugénio de Andrade, lançado este ano pelo editor portuense José da Cruz Santos e pela chancela Modo de Ler.

Esta primeira edição do prémio teve um júri presidido por Luís Adriano Carlos, em representação da Modo de Ler, e incluiu também Inês Lourenço, Jorge Sousa Braga, José Manuel Mendes, Miguel Moura (em representação da família herdeira de Eugénio de Andrade) e Luís Miguel Queirós.


O júri escolheu “A Criança que Ri.” por unanimidade, de um conjunto de cerca de meia centena de obras enviadas a concurso.

O prémio – no valor de 10 mil euros e com o patrocínio do BPI, da Rosto Editora e dos herdeiros de Eugénio de Andrade – vai ser entregue a Carlos Torres Figueiredo numa cerimónia pública a realizar no Porto a 19 de Janeiro de 2012, dia do nascimento do poeta de “As Mãos e os Frutos”.

Está previsto que o Prémio de Poesia Eugénio de Andrade tenha periodicidade bienal.

In Público de 12.11.2011

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Para lavar a alma

Elisabeth Schwarzkopf sings "An die Musik" by Schubert

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

"O medo da Democracia"


Bastou o primeiro-ministro grego anunciar que consultará o povo, através de referendo, sobre as novas e gravosas medidas de austeridade e perda total da soberania orçamental impostas ao país pelos "mercados" e seus comissários políticos em Bruxelas e nos governos de Berlim e Paris para cair a máscara democrática desta gente.

Na pátria da Democracia, o Governo decide-se por um processo democrático básico e Sarkozy fica "consternado" e considera a decisão "irracional" enquanto alemães e FMI se mostram "irritados" e "furiosos" com ela. E Merkel e Sarkozy assinam um comunicado conjunto dizendo-se "determinados" a fazer com que a Grécia cumpra as suas imposições e lhes ceda o que ainda lhe resta de soberania; só lhes faltou acrescentar "queiram os gregos ou não queiram" e mobilizar a Wehrmacht e a "Force de Frappe"...

Até Paulo Portas, ministro de uma coligação eleita com base em compromissos eleitorais imediatamente rasgados mal tomou posse, está "apreensivo".

O medo que esta gente, que tanto fala em Democracia, tem da Democracia é assustador. Aparentemente, o projecto de suspensão da Democracia por 6 meses (ou por 48 anos) estará já em curso. Pinochet aplicou no Chile as receitas de Milton Friedman suspendendo sangrentamente a Democracia. Como é que "boys" de Chicago como Gaspar ou Santos Pereira, que chegaram a ministros sem nunca antes terem governado sequer uma mercearia, o fariam em Democracia?

Manuel António Pina in JN 2 de Novembro de 2011

sábado, 29 de outubro de 2011

O desenvolvimento do subdesenvolvimento

 por Boaventura Sousa Santos



Está em curso o processo de subdesenvolvimento do País. As medidas que o anunciam, longe de serem transitórias, são estruturantes e os seus efeitos vão sentir-se por décadas. As crises criam oportunidades para redistribuir riqueza. Consoante as forças políticas que as controlam, a redistribuição irá num sentido ou noutro. Imaginemos que a redução de 15% do rendimento aplicada aos funcionários públicos, por via do corte dos subsídios de Natal e de férias, era aplicada às grandes fortunas, a Américo Amorim, Alexandre Soares dos Santos, Belmiro de Azevedo, famílias Mello, etc. Recolher-se-ia muito mais dinheiro e afetar-se-ia imensamente menos o bem-estar dos portugueses. À partida, a invocação de uma emergência nacional aponta para sacrifícios extraordinários que devem ser impostos aos que estão em melhores condições de os suportar. Por isso se convocam os jovens para a guerra, e não os velhos. Não estariam os superricos em melhores condições de responder à emergência nacional?

Esta é uma das perplexidades que leva os indignados a manifestarem-se nas ruas. Mas há muito mais. Perguntam-se muitos cidadãos: as medidas de austeridade vão dar resultado e permitir ver luz ao fundo do túnel daqui a dois anos? Suspeitam que não porque, para além de irem conhecendo a tragédia grega, vão sabendo que as receitas do FMI, agora adotadas pela UE, não deram resultado em nenhum país em que foram aplicadas - do México à Tanzânia, da Indonésia à Argentina, do Brasil ao Equador - e terminaram sempre em desobediência e desastre social e económico. Quanto mais cedo a desobediência, menor o desastre.

Em todos esses países foi sempre usado o argumento do desvio das contas superior ao previsto para justificar cortes mais drásticos. Como é possível que as forças políticas não saibam isto e não se perguntem por que é que o FMI, apesar de ter sido criado para regular as contas dos países subdesenvolvidos, tenha sido expulso de quase todos eles e os seus créditos se confinem hoje à Europa. Porquê a cegueira do FMI e por que é que a UE a segue cegamente? O FMI é um clube de credores dominado por meia dúzia de instituições financeiras, à frente das quais a Goldman Sachs, que pretendem manter os países endividados a fim de poderem extorquir deles as suas riquezas e de fazê-lo nas melhores condições, sob a forma de pagamento de juros extorsionários e das privatizações das empresas públicas vendidas sob pressão a preços de saldo, empresas que acabam por cair nas mãos das multinacionais que atuam à sua sombra.

Assim, a privatização da água pode cair nas mãos de uma subsidiária da Bechtel (tal como aconteceu em Cochabamba, após a intervenção do FMI na Bolívia), e destinos semelhantes terão a privatização da TAP, dos Correios ou da RTP. O back-office do FMI são os representantes de multinacionais que, quais abutres, esperam que as presas lhes caiam nas mãos. Como há que tirar lições mesmo do mais lúgubre evento, os europeus do Sul suspeitam hoje, por dura experiência, quanta pilhagem não terão sofrido os países ditos do Terceiro Mundo sob a cruel fachada da ajuda ao desenvolvimento.

Mas a maior perplexidade dos cidadãos indignados reside na pergunta:
que democracia é esta que transforma um ato de rendição numa afirmação dramática de coragem em nome do bem comum?
É uma democracia pós-institucional, quer porque quem controla as instituições as subverte (instituições criadas para obedecer aos cidadãos passam a obedecer a banqueiros e mercados) quer porque os cidadãos vão reconhecendo, à medida que passam da resignação e do choque à indignação e à revolta, que esta forma de democracia partidocrática está esgotada e deve ser substituída por uma outra mais deliberativa e participativa, com partidos mas pós-partidária, que blinde o Estado contra os mercados, e os cidadãos contra o autoritarismo estatal e não estatal. Está aberto um novo processo constituinte. A reivindicação de uma nova Assembleia Constituinte, com forte participação popular, não deverá tardar.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Marco Aurélio (121 - 180)




















«Quando andares à procura de uma mão para te valer, lembra-te que tens uma no extremo do teu braço».

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Tomas Tranströmer, poeta


Nascido em Estocolmo a 15 de abril de 1931


este é o Nobel da Literatura de 2011:
















A ÁRVORE E A NUVEM


Uma árvore anda de aqui para ali sob a chuva,

com pressa, ante nós, derramando-se na cinza.

Leva um recado. Da chuva arranca vida

como um melro ante um jardim de fruta.


Quando a chuva cessa, detém-se a árvore.

Vislumbramo-la direita, quieta em noites claras,

à espera, como nós, do instante

em que flocos de neve floresçam no espaço.

(1962)


DESDE A MONTANHA


Estou na montanha e vejo a enseada.

Os barcos descansam sobre a superfície do verão.

«Somos sonâmbulos. Luas vagabundas.»

Isso dizem as velas brancas.


«Deslizamos por uma casa adormecida.

Abrimos as portas lentamente.

Assomamo-nos à liberdade.»

Isso dizem as velas brancas.


Um dia vi navegar os desejos do mundo.

Todos, no mesmo rumo – uma só frota.

«Agora estamos dispersos. Séquito de ninguém.»

Isso dizem as velas brancas.

(1962)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011













Hoje, Quinta-feira, 6 de Outubro de 2011 – às 21h15

Evocação do Maestro Manuel Ivo Cruz

Por Sofia Lourenço, José Valle de Figueiredo e amigos


A vida e obra do Maestro serão evocadas através dos testemunhos da pianista Sofia Lourenço e de José Valle de Figueiredo.
 A Música portuguesa estará presente com as interpretações de
Jorge Alves - Viola d'Arco - e
 Nuno Pinto - Clarinete.
Intervirão, também, Amigos e Artistas que conviveram com a figura ímpar da Cultura Portuguesa que foi o Maestro homenageado.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

«O poder de Jardim visto à lupa»

Por Victor Ferreira


A força eleitoral de Jardim na Madeira é comandada com mão-de-ferro por um
núcleo restrito de pessoas cuja influência agarra milhares e se alarga a todos
os sectores de actividade

Alberto João Jardim é um caso de
longevidade política. Líder do Governo Regional da Madeira há 33 anos, corre
para mais uma reeleição e vai a meio da campanha como sempre esteve quando está
em causa uma eleição: rodeado de um núcleo duro que não é muito grande mas cujo
poder chega longe, ajudado por uma máquina mais extensa de colaboradores. A
imagem de um conjunto de cromossomas serve como uma luva: cada qual com as suas
proteínas, cada qual com a sua função, todos contribuem para a sobrevivência de
um mesmo organismo - neste caso, o poder de Jardim e do PSD/Madeira.

No topo da pirâmide, o líder regional, de 69 anos, com o seu estilo sempre ao
ataque - "truculento", segundo disse o próprio, numa entrevista em 2004 à
revista do Expresso. Como presidente da comissão política, Jardim não está porém
em condições de ser o estratega da máquina que o ajuda incansavelmente no
exercício do poder. Aí entra em cena Jaime Ramos, 63 anos (faz 64 a 3 de
Novembro). Há quem diga que Jardim gere as intervenções públicas e que Ramos é o
homem que gere as decisões - da política à economia. Ramos é secretário-geral do
partido, líder da bancada "laranja" na Assembleia Legislativa Regional e um
industrial da construção civil. Uma recente investigação do Diário de Notícias
da Madeira identificou entre 40 e 50 empresas que, directa ou indirectamente,
fazem parte do portefólio empresarial deste homem que, segundo a biografia
publicada no site do parlamento regional, é gerente comercial e tem como
habilitações literárias o 5.º ano do antigo liceu. "Ele é o gajo que controla a
economia da Madeira", diz ao PÚBLICO um dirigente de um clube desportivo do
Funchal.

Descodificar o código Jardim é trabalho para um livro. As ramificações, os
pontos de contacto entre diferentes figuras de diversas áreas da sociedade são
de tal modo numerosas que seria necessário escavar bem mais que os 65 túneis que
o governo da Madeira construiu na ilha. Desfiar esta meada que levou 33 anos a
engrossar implicaria ter acesso livre aos protagonistas e a documentos. Nos dias
que correm, isso é virtualmente impossível.

O Jardinismo - termo que Jardim dizia abominar, mas que é útil como
identificação de uma certa forma de exercício do poder - não se coíbe de
condicionar o trabalho dos jornalistas, de os expulsar até de conferências de
imprensa ou de comícios. Foi isso que aconteceu, na semana que passou, ao
fotógrafo enviado à ilha pelo International Herald Tribune, do grupo do New York
Times. Na passada quarta-feira, foi expulso, pelos numerosos seguranças que
rodeiam Jardim em todos os actos de campanha, quando tentava fotografar o líder
insular no meio do povo que participava no comício.

É a este ambiente que uma análise ao mapa de poder da Madeira tem de se
confinar. Entrevistando gente ligada ao poder - que é contundente na defesa de
Jardim, mas se fecha rapidamente em copas quando se tenta mergulhar no interior
da máquina. E ouvindo as oposições, que denunciam, aos quatro ventos, os casos
de nepotismo, as redes clientelares, que apelida Jardim de "ditador", "criminoso
político", "comprador de consciências", como o faz o padre Martins Júnior.

Este pároco da Ribeira Seca, concelho de Machico, foi autarca duas vezes, a
primeira pela UDP e depois pelo PS, na década de 1990. Nessa altura foi o único
líder camarário que não representava o PSD. Era a excepção e foi tratado como
tal. "Para o Machico, nem um tostão", prometeu Jardim. E, durante muito tempo
cumpriu.

Actualmente, todas as 11 câmaras do arquipélago (dez na Madeira e uma no Porto
Santo) são presididas pelo PSD/M, que tem sedes em todas as 54 freguesias - no
continente, o normal é haver sedes concelhias. Não há associação de bombeiros,
banda de música ou casa do povo que não tenha uma figura política ligada ao
PSD/M.

Cabral Fernandes, advogado, deputado da primeira legislatura (1976-1979), na
Assembleia da República, pelo CDS, considera que além da teia do poder que,
desde 1978, se alimenta do "voto garantido pela muita gente que depende do
Governo", há um aspecto cultural que justifica a perpetuação do Jardinismo: é "o
espírito da colónia", diz Cabral Fernandes, aludindo ao regime extinto em 1977 e
que era específico da Madeira, consistindo num contrato de terras em que o dono
do terreno dispunha do poder, unilateral e discricionário, de pôr fim ao
contrato quando e nos termos que quisesse.

"Jardim captou um eleitorado muito conservador e utilizou um sentimento de
subordinação do madeirense que já vem de longe, vem da colónia. Este regime
parecia saudável, por ser uma espécie de parceria, mas o colono era um dono
precário das suas coisas e não há nada mais frustrante do que ser um dono
precário. Isto cria um sentimento de subjugação ao senhorio e foram quatro ou
cinco séculos desta cultura na Madeira", sustenta este antigo deputado. "Jardim
captou isto, percebeu e manteve este sentimento. Quem precisa tem de estar ao
lado dele", vinca.

Segundo o Censo 2011, o arquipélago tem 262.456 habitantes. A população activa
ronda os 130.000, e os funcionários públicos são entre 27.000 e 30.000. Ou seja,
pouco menos de um quarto da população trabalha para a administração pública,
factor que deve ser tido em conta quando se analisa a força eleitoral do PSD/M e
de Alberto João, argumenta por seu lado Emanuel Jardim Fernandes, antigo líder
do PS da Madeira e que concorreu diversas vezes contra o líder do Governo,
contra Jardim, que gosta de zurzir na "falta de qualidade da oposição". Para
Jardim Fernandes, que coleccionou derrotas na terra natal e terminou a carreira
política como eurodeputado em Bruxelas, a vida da oposição não é fácil na
Madeira, porque ali "o regime não é uma democracia". "Não se respeita as poucas
leis que existem, o presidente do governo não responde à assembleia e tomou
conta, domina a economia", sustenta este antigo responsável socialista.

Do outro lado da barricada, Luís Filipe Malheiro, um dos homens da máquina do
PSD, ex-jornalista e chefe de gabinete do presidente da Assembleia Regional,
recusa a famigerada ideia do défice democrático e prefere sublinhar que o PSD
enche comícios porque "sabe como se faz uma campanha". "A oposição não tem
comícios porque não consegue motivar os eleitores. Dá muitos tiros nos pés",
advoga Malheiro, considerado pelos detractores como mero defensor público do
governo regional. Pelo contrário, o PSD "tem uma máquina, um núcleo do qual já
fiz parte, que trabalha nisto [campanhas] há mais de 15 anos".

É na liderança desta máquina posta no debate pelo próprio PSD que a história
regressa a Jaime Ramos. O todo-poderoso secretário-geral do PSD/M, que tem
interesses na construção civil, nos media (área em que tem uma empresa a meias
com Joaquim Oliveira, da Controlinveste) e noutras áreas tão diversas que vão
desde o aluguer de automóveis ao tratamento de águas. Com Alberto João e Miguel
Albuquerque - líder da Câmara do Funchal -, Ramos dirige a Fundação Social
Democrata da Madeira, uma entidade que é dona de todas as sedes do PSD/M e da
generalidade do património do partido.

Quem manda nos púlpitos?

Outro nome vinculado a esta fundação e à cúpula do partido era o de António
Candelária, autarca de Santana que deixou de ser visto na Madeira. José Manuel
Coelho, o pintor de construção civil que concorreu à Presidência da República e
se candidata nestas eleições regionais pelo Partido Trabalhista Português (PTP),
acusa Candelária de ser o dono da empresa Sermaquipa, cuja sede funcionaria numa
garagem da Fundação Social Democrata da Madeira e que, segundo Coelho, era um
instrumento usado pelo partido de Jardim para obter financiamento. Pouco depois
de ter sido constituído arguido, num caso de alegada prevaricação, abuso de
poder, burla qualificada e corrupção, que envolvia a construção de um campo de
ténis da União Desportiva de Santana, Candelária deixou a Madeira rumo ao Brasil
e nunca mais terá voltado. Neste mesmo caso, o Ministério Público acusou, entre
outros, Jaime Lucas, que dirigiu o Instituto de Desporto da Madeira (IDRAM), uma
ferramenta importante do poder jardinista. Independentemente de quem o lidera -
actualmente é Carlos Norberto Catanho José -, este instituto tutelado pela
Secretaria Regional da Educação gere as ligações do governo ao desporto, área na
qual pontificam os dois grandes clubes da ilha, Marítimo e Nacional.

Na presidência do primeiro está Carlos Pereira, empresário cujo universo laboral
se estende a 12 empresas - ao passo que o segundo é liderado por Rui Alves,
também com ligações ao imobiliário. Pereira garante que não trabalha
directamente com o governo, mas uma das suas principais actividades - a
extracção de inertes como brita - situa-se no perímetro da construção civil que
é, segundo os adversários de Alberto João, "a grande beneficiária" do
Jardinismo. Questionado pelo PÚBLICO, Carlos Pereira admite que algumas das suas
empresas trabalham para empresas do governo regional.

No sector público empresarial da região incluem-se quatro empresas-chave, as
sociedades de desenvolvimento (ver texto nas páginas seguintes), criadas por
Jardim, com o objectivo de fazer obras sem onerar directamente o orçamento do
governo regional. São tuteladas pelo vice-presidente do executivo, João Cunha e
Silva, um político que o jornalista Albino Ribeiro Cardoso, autor do livro
Jardim, a grande fraude - uma radiografia da "Madeira Nova" (Caminho,
2011),descreve nessa obra como "calculista e impiedoso" e que também tutelava o
Jornal da Madeira, único jornal pago pelo Estado em Portugal.

Este título é outra carta do baralho de Jardim, que o dirigiu na década de 1970,
imediatamente antes de passar para o governo regional. O jornal era da diocese,
mas actualmente a igreja detém apenas uma ínfima parte do capital social. O que
não quer dizer que a igreja tenha deixado de ser vista como outra peça do puzzle
de poder do Jardinismo.

Foi a igreja, através do bispo Francisco Santana, quem lançou Jardim para a
ribalta e, ao longo dos anos, tem sido acusada de nunca se ter separado desse
homem político. Há porém uma diferença: "Antigamente, nos púlpitos da ilha
pedia-se apoio para Jardim. Agora, Jardim tomou conta dos púlpitos", sustenta o
padre Martins Júnior, argumentando que, enquanto director de jornal, Jardim não
publicava sem consultar a diocese, sendo que agora é a igreja que não toma
decisões sem consultar Jardim. "Os padres podem aliar-se com quem quiserem, com
Deus ou com o diabo. Mas nunca em nome de Cristo", critica Martins Júnior com
veemência.

Mais do que ligar os nomes e apelidos que ocupam cargos-chave na administração
pública regional - um exercício que muitos blogues fazem, na tentativa de
denunciar publicamente os tentáculos do Jardinismo e uma suposta política de
nomeações assente em redes familiares e trocas de favores - o poder de Jardim
reside, por certo, no voto dos eleitores, que serão chamados às urnas daqui a
uma semana. Mesmo com a abstenção elevada, as maiorias têm sido de Jardim.
Talvez porque os eleitores sejam "egoístas", decidindo em função dos seus
interesses particulares, refere o ambientalista Raimundo Quintal, crítico
incansável da política no arquipélago.

Quem vai do Funchal à Ribeira Brava encontra pelo caminho pequenas hortas junto
à estrada, com bandeiras do PSD/M espetadas na terra ao lado de vegetais. As
bandeiras, dizem alguns dos contactados pelo PÚBLICO, sinal do apoio eleitoral
daqueles que foram ajudados, através de um subsídio, de uma casa, uma estrada.

Entre a oposição local, aponta-se também o dedo aos políticos do continente,
porque permitiram este exercício de poder. O alvo actual é Cavaco Silva, porque
o silêncio do chefe de Estado em relação ao que se passa com as contas da
Madeira é "inaceitável numa sociedade democrática".

sábado, 1 de outubro de 2011

Dia Mundial da Música

Ravel- G Major Piano Concerto- 2. Mouvement


Sofia Lourenço, piano

domingo, 25 de setembro de 2011

ANNE SEXTON


ANNE SEXTON (Newton, 1928 – Weston, 1974) foi uma notável poetisa americana conhecida principalmente pela sua poesia de forte pendor confessional, através da qual abordou temas invulgares como a depressão, de que padecia, e as suas próprias tendências suicidas, bem como assuntos igualmente pouco frequentes na poesia americana à altura como a biologia intíma da mulher. Sexton venceu o Pulitzer em 1967. Tal como Sylvia Plath, foi aluna de Robert Lowell, um mestre da poesia confessional. Suicidou-se a 4 de Outubro de 1974, após um almoço com a sua amiga Maxine Kumin, onde estivera a rever o seu manuscrito The Awful Rowing Toward God, que viria a ser publicado em Março do ano seguinte. Regressando a casa, vestiu o casaco de peles da mãe e fechou-se na garagem com o automóvel ligado.


Eis, em mais uma excelente tradução e colaboração de Jorge Sousa Braga para o Poesia Ilimitada, cinco poemas de Anne Sexton.

IN CELEBRATION OF MY UTERUS

Everyone in me is a bird.
I am beating all my wings.
They wanted to cut you out
but they will not.
They said you were immeasurably empty
but you are not.
They said you were sick unto dying
but they were wrong.
You are singing like a school girl.
You are not torn.

Sweet weight,
in celebration of the woman I am
and of the soul of the woman I am
and of the central creature and its delight
I sing for you. I dare to live.
Hello, spirit. Hello, cup.
Fasten, cover. Cover that does contain.
Hello to the soil of the fields.
Welcome, roots.

Each cell has a life.
There is enough here to please a nation.
It is enough that the populace own these goods.
Any person, any commonwealth would say of it,
“It is good this year that we may plant again
and think forward to a harvest.
A blight had been forecast and has been cast out.”
Many women are singing together of this:
one is in a shoe factory cursing the machine,
one is at the aquarium tending a seal,
one is dull at the wheel of her Ford,
one is at the toll gate collecting,
one is tying the cord of a calf in Arizona,
one is straddling a cello in Russia,
one is shifting pots on the stove in Egypt,
one is painting her bedroom walls moon color,
one is dying but remembering a breakfast,
one is stretching on her mat in Thailand,
one is wiping the ass of her child,
one is staring out the window of a train
in the middle of Wyoming and one is
anywhere and some are everywhere and all
seem to be singing, although some can not
sing a note.

Sweet weight,
in celebration of the woman I am
let me carry a ten-foot scarf,
let me drum for the nineteen-year-olds,
let me carry bowls for the offering
(if that is my part).
Let me study the cardiovascular tissue,
let me examine the angular distance of meteors,
let me suck on the stems of flowers
(if that is my part).
Let me make certain tribal figures
(if that is my part).
For this thing the body needs
let me sing
for the supper,
for the kissing,
for the correct
yes.


EM CELEBRAÇÃO DO MEU ÚTERO

Tudo em mim é um pássaro.
Adejo com todas as minhas asas.
Queriam extirpar-te
mas não o farão.
Diziam que estavas incomensuravelmente vazio
mas não estás.
Diziam que estavas doente prestes a morrer
mas estavam errados.
Cantas como uma colegial
Tu não estás desfeito.


Doce peso,
em celebração da mulher que sou
e da alma da mulher que sou
e da criatura central e do seu prazer
canto para ti. Atrevo-me a viver.
Olá, espírito. Olá, taça.
Fixar, cobrir. Cobre o que contém.
Olá, terra dos campos.
Bem-vindas, raízes.


Cada célula tem uma vida.
Há aqui bastantes para satisfazer uma nação.
Chega que a populaça possua estes bens.
Qualquer pessoa, qualquer grupo diria:
Está tudo tão bem este ano que podemos plantar de novo
e pensar noutra colheita.
Uma praga tinha sido prevista e foi eliminada.
Por isso muitas mulheres cantam em uníssono:
uma numa fábrica de sapatos amaldiçoando a máquina,
uma no aquário cuidando da foca,
uma aborrecida ao volante do seu FORD,
uma cobradora na portagem,
uma no Arizona enlaçando um bezerro,
uma na Rússia com uma perna de cada lado do violoncelo,
uma trocando panelas num fogão no Egipto,
uma pintando da cor da lua as paredes do quarto,
uma no seu leito de morte mas recordando um pequeno almoço,
uma na Tailândia deitada na esteira,
uma limpando o rabo ao seu bebé,
uma olhando pela janela do comboio,
no meio do Wyomming e uma está
em qualquer lado e algumas estão em todo o lado e todas
parecem estar cantando, embora haja quem
não possa cantar uma nota sequer.

Doce peso
em celebração da mulher que sou
deixa-me levar uma echarpe de três metros,
deixa-me tocar o tambor pelas que têm dezanove anos,
deixa-me levar taças para oferecer
(se é isso o que me toca).
deixa-me estudar o tecido cardiovascular,
deixa-me calcular a distância angular dos meteoros,
deixa-me chupar o pecíolo das flores
(se é isso o que me toca).
Deixa-me imitar certas figuras tribais
(se é isso o que me toca).
Pois o corpo preciso disso,
que me deixes cantar
para a ceia,
para o beijo,
para a correcta
afirmação.



§



DREAMING THE BREASTS

Mother,
strange goddess face
above my milk home,
that delicate asylum,
I ate you up.
All my need took
you down like a meal.


What you gave
I remember in a dream:
the freckled arms binding me,
the laugh somewhere over my woolly hat,
the blood fingers tying my shoe,
the breasts hanging like two bats
and then darting at me,
bending me down.

The breasts I knew at midnight
beat like the sea in me now.
Mother, I put bees in my mouth
to keep from eating
yet it did no good.
In the end they cut off your breasts
and milk poured from them
into the surgeon's hand
and he embraced them.
I took them from him
and planted them.


I have put a padlock
on you, Mother, dear dead human,
so that your great bells,
those dear white ponies,
can go galloping, galloping,
wherever you are.



SONHANDO COM SEIOS


Mãe,
estranho rosto de deusa
sobre a minha casa de leite,
esse delicado asilo,
devorei-te.
Todas as minhas necessidades tragaram-te
como se fosses comida.


O que me deste
recordo-o num sonho:
os braços sardentos envolvendo-me,
o riso algures sobre o meu chapéu de lã,
os dedos de sangue atando os meus sapatos,
os seios suspensos como dois morcegos,
precipitando-se depois sobre mim,
até me dobrar.


Agora os seios que conheci à meia-noite
batem em mim como o mar.
Mãe enchi a boca de abelhas
para evitar comer
e isso não foi nada bom para ti.
Finalmente amputaram os teus seios
e o leite derramou-se
nas mãos do cirurgião
e ele abraçou-os
e eu retirei-lhos
e plantei-os.


Coloquei-te um cadeado,
mãe, querida morta humana,
para que as tuas grandes campânulas,
aqueles queridos póneis brancos,
possam galopar, galopar,
aonde quer que estejas.




Fonte:  Poesia &Lda   (onde poderão ler estes dois poemas e os outros três referenciados na nota introdutória, e  igualmente fabulosos, desta poetisa raramente divulgada. Obrigada ao Poesia Ilimitada e ao tradutor exemplar.)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Mais um filme à Vitorio de Sica

A pedalar para salvar a comida do lixo
e matar a fome envergonhada



O projecto Re-Food nasceu numa das zonas nobres de Lisboa, onde a carência
alimentar se esconde atrás das aparências. Cerca de 50 voluntários estão a
lutar contra o desperdício e querem chegar a toda a cidade.

No "centro de operações" chamam-lhe Maria Clandestina. É como um código. O seu
nome verdadeiro está escrito no post-it amarelo colado ao saco cheio de
embalagens com comida. São quase 21h. Hunter Halder pega no saco e vai a pé até
ao prédio onde ela mora. Já lá está o alguidar, com o saco de embalagens vazias,
do dia anterior. A troca dos sacos é feita discretamente, num local escondido,
em poucos segundos. A mulher, com os seus 80 anos, vai buscar a "encomenda" mais
tarde. O ritual, que parece uma operação secreta, repete-se todas as noites.

A cena até poderia passar-se num bairro pobre de Lisboa, mas não. Maria
Clandestina mora na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, nas Avenidas Novas,
uma das zonas nobres da capital. O salário que recebe como porteira não chega
para pôr o jantar na mesa todos os dias, mas a vergonha da pobreza é quase maior
do que a fome. "Disse-me que precisava de ajuda, mas não queria que os vizinhos
soubessem. Preferia morrer", conta Hunter.

"Aqui há muita fome envergonhada", lamenta o consultor norte-americano de 60
anos, a viver há 20 em Lisboa. Inspirado pela campanha do piloto António Costa
Pereira, que há um ano lançou uma petição contra o desperdício alimentar, Hunter
pôs mãos à obra e montou, com a ajuda do filho Christopher Halder, uma "operação
de resgate de comida", assente em duas evidências: todos os restaurantes têm
sobras, comida boa que normalmente vai para o lixo, e há cada vez mais pessoas
carenciadas, a quem o desemprego bateu à porta ou cujo salário não chega para
comer. "Só é preciso que alguém faça a ponte entre as duas realidades."

Desde Março que Hunter está a construir essa ponte, através da Re-Food 4 Good, a
associação que criou para pôr no terreno o projecto Re-Food (diminutivo para
rescuing good food, ou seja, salvar comida boa). Hoje, o projecto é "alimentado"
por cerca de 50 voluntários. Todos trabalham por uma causa: combater o
desperdício alimentar e matar a "fome urbana". Estão a fazê-lo, para já, numa
zona piloto com sete quarteirões na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, onde
identificaram perto de 70 pessoas carenciadas. Em seis meses distribuíram - de
bicicleta sempre que possível -mais de seis mil refeições doadas por 31
restaurantes, cafés, cafetarias e pastelarias daquela área.

O objectivo é alargar o projecto a outras zonas da cidade e transformar Lisboa
na "primeira cidade sem desperdício alimentar". Os 21 mil euros que receberam do
Prémio Voluntariado Jovem Montepio (eram 25 mil, mas distribuíram 1000 por cada
um dos outros quatro finalistas), atribuído pela Fundação Montepio e a Lusitania
- Companhia de Seguros, vão ajudar no plano de expansão.



Pesadelo da sopa entornada



José Viegas, de 54 anos, é quase sempre o primeiro voluntário a chegar à antiga
loja que serve de sede ao Re-Food -antes ficava na cantina da Igreja de Nossa
Senhora de Fátima e agora está temporariamente instalado na Av. Conde de Valbom.
A porta abre pouco antes de começar a primeira recolha de comida nos
estabelecimentos, das 19h às 20h, e só fecha lá para a meia-noite, depois da
distribuição e de outra ronda pelos restaurantes, das 22h às 23h. José fica até
ao fim, enérgico como se estivesse a começar o dia. Mas o trabalho dele começou
cedo, ao almoço, no quiosque ao lado da igreja. "Faço comida para os sem-abrigo.
Costumam ser uns 30, mas hoje apareceram 50. Só aqui na freguesia, há 100."

No pequeno espaço da sede as prateleiras estão repletas de sacos e embalagens de
plástico, vazias ou cheias de sopa, bem tapadas. "Sopa entornada é o nosso pior
pesadelo", diz Hunter, lembrando as vezes que entornou sopa na bicicleta que usa
para fazer a recolha nos restaurantes mais afastados. A bicicleta é mesmo a
imagem de marca do Re-Food. Tem um cesto forrado a plástico amarelo instalado à
frente e outro atrás. No início, foi a pedalar que Hunter promoveu a ideia. "As
pessoas ficavam curiosas ao ver um homem com um chapéu de palha na cabeça, a
conduzir uma bicicleta com dois cestos cheios de sacos", conta, a rir. Alguns
curiosos tornaram-se voluntários, como o senhor Lemos, de 74 anos, que empresta
o carro para a distribuição nos bairros mais distantes.A recolha começa a pé.
Hunter vai até ao primeiro restaurante. Entra pela porta dos fundos que vai dar
à cozinha e logo uma das funcionárias, Maria de Jesus, pega nas caixas que já
pôs de lado. Três embalagens de sopa, quatro com arroz, peixe e carne, salada.
"Para nós é um alívio. Deitávamos muita coisa fora, porque a crise toca a todos
e já tivemos mais freguesia", lamenta. O desabafo vai-se repetindo durante a
recolha, à qual se junta Catarina, outra voluntária, de 16 anos. São precisas
quatro mãos, há comida para levar em todos os estabelecimentos.

A tarefa seguinte é encher os sacos, verdadeiros cabazes alimentares adaptados a
cada família, com sopa, prato principal, fruta e pão ou bolos. José já nem olha
para a tabela onde estão escritas as preferências de cada "cliente". Sabe-as de
cor. "A Ana Paula não gosta de bacalhau, fica com borbulhas na cara. Outra é
diabética. Outra não quer fritos."

O carro do senhor Lemos, que arranca com a mala cheia por volta das 20h15, vai
até ao Bairro de Santos. No caminho, o rádio debita o jogo entre o Manchester
United e o Benfica, clube pelo qual torce Catarina. Não preferia estar a ver o
jogo? "É mais importante levar comida a estas pessoas que não têm nada. Ainda
não veio aqui, pois não? Já vai perceber."O carro pára ao pé da Escola Primária
n.º 44, onde espera meia dúzia de mulheres com crianças pela mão. Aproximam-se,
fazem fila, algumas queixam-se do jantar da véspera. "Vocês não têm culpa, mas é
só para avisar", diz uma delas - cabelo apanhado, bem vestida, cigarro na mão -
falando da sopa que chegou azeda. Fábio, o filho de Ana Paula, de sete anos, já
jantou, mas ela não. Depois de uns minutos de conversa, vai para casa com o saco
cheio e um "até amanhã".

São 21h. No Bairro do Rego está um casal de idosos que ainda não jantou. Os
voluntários sobem ao primeiro andar do prédio sem luz nas escadas - os
interruptores foram arrancados das paredes sujas. A mulher abre a porta e Hunter
deixa o saco da comida na cozinha. A visita é rápida, ainda há mais uma paragem
a fazer.

À espera está um casal com três crianças que antes bebiam água com açúcar ao
jantar.

( fonte:   http://www.publico.pt/Local/a-pedalar-para-salvar-a-comida-do-lixo-e-matar-a-fome-envergonhada_1512522?all=1 )




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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

As privatizações da Pilantra

A minha amiga Pilantra confidenciou-me os seus planos de futuras aquisições:

« Com tudo isto, não sei se me candidate à privatização do Tejo ou da Berlenga Grande, quiçá da Grécia. A Grécia vendida à pedra, deve dar uma fortuna choruda. Só o Partenon me sustentaria ricamente estes últimos anos.
E o que não seria ouvir a Pitonisa de Delfos em privado! »

domingo, 11 de setembro de 2011

A interrogação de Carl Sagan

Pitágoras triunfou. Os números são a realidade. Por isso se começou a falar deste 11 de Setembro com semanas de antecedência. Por isso se sente a pressão para dizer (ainda mais) qualquer coisa neste ano. Porque é o décimo. Como se isso o fizesse qualitativamente diferente do nono e do décimo primeiro. Como se só pudéssemos voltar ao assunto, ou ser tão profundos, exaltados e definitivos, no vigésimo aniversário. Eis a decisiva importância sentimental do zero, um nada que é tudo.

O que mais me surpreendeu nesse dia foram as piadas que apareceram horas depois. Horas depois. De pessoas com quem me dava com menor ou maior proximidade. Só porque o alvo tinha sido a América, as vítimas os americanos. Significava que havia uma outra forma de terror muito mais insidiosa, a ausência de empatia naqueles com quem partilhamos o espaço e o tempo.

O que o 11 de Setembro representa transcende a alegada questão política. A sua mensagem é verdadeiramente apocalíptica. Diz-nos que haverá sempre alguém que fará tudo o que puder, recorrendo a complexas capacidades cognitivas e força de vontade, para destruir a Humanidade. Caso tenha os meios para isso, ser-lhe-á igual destruir um autocarro, comboios, arranha-céus ou a Terra inteira. Aliás, para este tipo de martírio psicótico, quão maior a destruição, maior a felicidade.

Quando Carl Sagan se questionava a respeito da possibilidade de existir vida inteligente noutros planetas, punha como hipótese que as civilizações galácticas pudessem autodestruir-se após chegaram a um certo ponto de desenvolvimento tecnológico. Temos essa capacidade por via das armas nucleares e das restantes tecnologias destrutivas que sempre nascem do avanço científico. Dada a pulsão irracional que transportamos, que até leva potenciais vítimas do terror a defender os terroristas, talvez esta experiência da civilização num discreto planeta nas bordas da galáxia seja um mero ensaio que correu mal. Num outro planeta, dos triliões que existem, certamente as coisas correrão melhor. No universo, o que não falta são locais para a Criação ir tentando até acertar. E, dizem ainda outros, o que não falta são universos. Infinitos.


in  Aspirina B

A mãe leva no focinho?

Ou o rapaz não tem mãe ou esta, como tantas portuguesas também leva no focinho

terça-feira, 6 de setembro de 2011




AGUENTA-TE COM ESTA


Talvez se mostrem no café da aldeia
a meio da tarde
as raparigas da cidade,
o longo cabelo a vedar-lhes
o rosto ensonado,
a pele branca correndo
sob as alças da blusa
ou feita navalha debaixo da mesa.
Mas tu não terás palavras, rapaz,
mesmo de calças novas
e camisa lavada,
pois tuas costas semelham
sacos de batatas
e no extremo de teus braços
encaixam lâminas de enxada.
Ficarás encostado ao balcão
armado em muro prestes a ruir.

Sairás por onde entraste,
fumador de SG filtro
cujo maço,
qual amachucada flor de lapela,
guardas no bolso da camisa.

Por cigarros vieste, os olhos
deitas em roda desarmados,
e dali disparas, metendo
pelo trilho que à treva desce.

RUI  LAGE
Um arraial português, p.30, Ed. Babel/Ulisseia
2011, abril.

Esclarece-nos o autor que «Os titulos dos poemas deste livro [..] são homónimos de titulos de canções da música ligeira portuguesa - ou de fragmentos das letras dessas canções - quase todas obrigatórias nos arraiais de verão um pouco por todo o país. [...]»

Escolhi este poema porque me parece que põe fortemente em evidência o desencontro de uma certa cultura jovem urbana e rural.

Esta poesia consegue com rara perícia vocabular e expressiva fazer uma interface inabitual entre esses dois mundos

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

«Quatro mulheres assassinadas em quatro dias». (JN)

Antes das manifestações das "galderices", é preciso pensar a sério em manifestações contra esta selvajaria, com que parece as mulheres mais "emancipadas" não se preocupam. Que tal uma manif. de «filhos e netos de mães e avós assassinadas pelos pais e avós»?

Suponho que poderia ter numerosos participantes e concitaria avergonha geral.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

TELHADOS DE VIDRO/15 - junho 2011


Castelo de Almourol



Outro perdido castelo – diria o adolescente
que fosse deixando para trás,
noutros e mais tristes lugares do Ribatejo.


Tenta não o ouvir, esta tarde.
O sol talvez doesse um pouco,
a morte continuava a espreitar-nos
de fresta em fresta, em cada muralha.


Mas havia um sorriso parado, entre piteiras,
foi bom voltar a comer fataça
e não existe nenhuma prova evidente
de que o barqueiro se chamasse Caronte.


Deu-nos, por meia hora, uma ilha
do nosso tamanho, a certeza do regresso
e aquela pedra solitária, a brilhar no rio.



Não parecia domingo, não houve deserto;
era uma tarde apenas, a encontrar-nos juntos.



Manuel de Freitas

Leonard Bernstein - 25 de Agosto de 1918, Nova Iorque - ( Outubro de 1990)

 West Side Story, studio-takes. (4)

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

«Mascarilhas e máscaras»



O legado de Sócrates para a cultura política nacional está aí à disposição de investigadores, jornalistas, intelectuais, fogareiros e meros curiosos para quem a cidadania em Portugal for parte essencial da sua identidade. Para o aproveitar é preciso abdicar dos juízos de valor ideológico e ousar a intenção da objectividade científica. Claro que será completamente legítimo fazer uma crítica a respeito dos pressupostos, modos e resultados da governação socialista sob um prisma ideológico, qualquer que ele seja. Não só legítima, essa análise seria também útil e bondosa – sendo apenas de lamentar que mal se tenha visto, tendo sido substituída pelos assassinatos de carácter no todo, à direita, e em grande parte, à esquerda. Se a oposição ao PS tivesse sido um confronto de ideias, de projectos e de talentos, Sócrates poderia ter à mesma perdido as eleições em 2011, ou logo em 2009, mas nós estaríamos agora muito melhor e os vencedores também. Mas não foi nada disso que se passou, pois não?

A conjugação de um Governo PS com a necessidade histórica de alterar sectores do Estado e da sociedade anquilosados, porque ineficientes ou ineficazes, provocaria sempre homéricas convulsões políticas. Essa reforma seria inevitavelmente catalogada como de direita pelo PCP e BE, recolhendo a anuência silenciosa, ou avulso protesto hipócrita, do PSD e CDS. E assim andámos enquanto não chegaram as crises sucessivas, nacionais e internacionais. Recorde-se que até aos começos de 2008 foram dadas provas de que Sócrates, apesar da maioria absoluta, podia ceder e aceitar derrotas: casos da candidatura de Soares às presidenciais de 2006, do novo aeroporto em Alcochete e da queda de Correia de Campos como exemplos maiores. Todavia, o movimento das placas tectónicas do Cavaquismo era imparável e estava disposto literalmente a tudo. Os mandantes das campanhas negras e das conspirações mediático-judiciais não tinham tempo, e muito menos cabeça, para estarem a desenvolver soluções políticas que fizessem sentido, nem das que lançavam se esperava que tivessem real ligação às aspirações dos portugueses. Tanto em 2009 como em 2011, o PSD andou sem programa eleitoral até quase ao dia das eleições, não tendo ele servido como matéria de discussão pública nem tendo sido factor de preferência eleitoral. O que havia a fazer era outra coisa, uma coisa que se faz há milhares de anos em qualquer sociedade onde pulhas e desesperados disputem o poder. Tratava-se de destruir aquele que os ameaçava fáctica e simbolicamente. E foi isto que fizeram:

- Mancharam o percurso escolar e profissional de Sócrates com insinuações e calúnias do foro moral e legal.

- Mancharam o exercício governativo de Sócrates com insinuações e calúnias do foro criminal.

- Mancharam a reputação de familiares de Sócrates com insinuações e calúnias várias.

- Tentaram criminalizar Sócrates a partir de escutas ilícitas e irrelevantes.

- Exploraram as fragilidades cognitivas da população, e as consequências das crises, para manterem um crescente estado de ódio contra Sócrates, Governo, PS ou qualquer um que lhes manifestasse publicamente o seu apoio.

- Usaram a Presidência da República, e o papel do Presidente da República, para o lançamento de uma conspiração mediática contra o Governo nas vésperas de dois actos eleitorais.

- Usaram as prerrogativas constitucionais do Presidente da República para a perversa transformação do seu papel institucional no de chefe da oposição a exigir a queda do Governo na própria Assembleia da República.

- Mantiveram o Governo minoritário apenas para o desgastar até ao momento que considerassem adequado para novas eleições, ao arrepio dos interesses nacionais.

- Denegriram Portugal internacionalmente ao longo de todo o processo de agravamento da crise das dívidas soberanas e dos mercados de financiamento.

Quem fez isto pertence à elite da direita triunfante (que também há uma direita derrotada, mas jamais vencida), não é a arraia-miúda dos jornais e da Internet. São portugueses como todos os outros, sim, embora com um conjunto de vantagens sociais que o centro e a esquerda não possuem. Naturalmente, velam pelos seus interesses, a sua riqueza, a sua família, o seu futuro. Não há nada de errado no que fazem, incluindo o modo como o fazem. Porque eles fazem tão-somente aquilo que sabem fazer, eles são isto: conspiradores furiosos, venenosos, tinhosos. Foi assim que subiram, uns, é assim que se mantêm, outros. E conhecem-se de ginjeira, por isso vivem num mundo de invejas, ressentimentos e vinganças.

Ora, toda esta gigantesca operação, um misto de ataque à outrance por parte de soberbos egos oligárquicos com maquinações de pormenor e longo fôlego planeadas no Palácio de Belém, não teria alcançado o seu objectivo não fosse a preciosa colaboração do BE e PCP, a que se juntou uma parte importante do PS. Estes puros da esquerda pura consideraram, alucinados, que era igual ter o País nas mãos do PS ou do PSD. E embora não se imaginassem a governar, pois ainda não estão totalmente desmiolados, só um objectivo os entusiasmava: derrubar Sócrates. A distorção da sua verrina era proporcional ao facciosismo que os cristalizava numa posição de mera resistência e boicote. Eles próprios não queriam negociar nada com o PS ou com Portugal, por isso faziam do adversário uma figura caricatural e monstruosa que lhes garantia a coerência mental da praxis.

A sucessão de transformações reformistas que se faziam desde 2005 no intento de provocar o menor dano social, e outras que eram investimentos fundamentais para a requalificação da sociedade e seus tecidos produtivos, nunca obtiveram qualquer reconhecimento por parte do BE e PCP. Pois é… se reconhecessem que o PS não era igual ao PSD, se aceitassem a possibilidade de aumentar a justiça social através de uma governação ao centro que atendesse ao maior número de cidadãos e seus díspares interesses, se admitissem que quem votou em Sócrates pela segunda vez não votou na direita mas contra ela, lá se ia a máscara que esconde um rosto de olhos vazos.

in Aspirina B

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

«CAÍ NO MUNDO E NÃO SEI COMO VOLTAR»

 O que acontece comigo é que não consigo andar pelo mundo pegando coisas e trocando-as pelo modelo seguinte só por que alguém adicionou uma nova função ou a diminuiu um pouco…

Não faz muito, com minha mulher, lavávamos as fraldas dos filhos, pendurávamos na corda junto com outras roupinhas, passávamos, dobrávamos e as preparávamos para que voltassem a serem sujadas.

E eles, nossos nenês, apenas cresceram e tiveram seus próprios filhos se encarregaram de atirar tudo fora, incluindo as fraldas. Se entregaram, inescrupulosamente, às descartáveis!

Sim, já sei. À nossa geração sempre foi difícil jogar fora. Nem os defeituosos conseguíamos descartar! E, assim, andamos pelas ruas, guardando o muco no lenço de tecido, de bolso.

Nããão! Eu não digo que isto era melhor. O que digo é que, em algum momento, me distraí, caí do mundo e, agora, não sei por onde se volta.

O mais provável é que o de agora esteja bem, isto não discuto. O que acontece é que não consigo trocar os instrumentos musicais uma vez por ano, o celular a cada três meses ou o monitor do computador por todas as novidades.

Guardo os copos descartáveis! Lavo as luvas de látex que eram para usar uma só vez.

Os talheres de plástico convivem com os de aço inoxidável na gaveta dos talheres! É que venho de um tempo em que as coisas eram compradas para toda a vida!

É mais! Se compravam para a vida dos que vinham depois! A gente herdava relógios de parede, jogos de copas, vasilhas e até bacias de louça.

E acontece que em nosso, nem tão longo matrimônio, tivemos mais cozinhas do que as que haviam em todo o bairro em minha infância, e trocamos de refrigerador três vezes.

Nos estão incomodando! Eu descobri! Fazem de propósito! Tudo se lasca, se gasta, se oxida, se quebra ou se consome em pouco tempo para que possamos trocar.

Nada se arruma. O obsoleto é de fábrica.

Aonde estão os sapateiros fazendo meia-solas dos tênis Nike? Alguém viu algum colchoeiro encordoando colchões, casa por casa? Quem arruma as facas elétricas? o afiador ou o eletricista? Haverá teflon para os funileiros ou assentos de aviões para os talabarteiros?

Tudo se joga fora, tudo se descarta e, entretanto, produzimos mais e mais e mais lixo. Outro dia, li que se produziu mais lixo nos últimos 40 anos que em toda a história da humanidade.

Quem tem menos de 30 anos não vai acreditar: quando eu era pequeno, pela minha casa não passava o caminhão que recolhe o lixo! Eu juro! E tenho menos de ... anos! Todos os descartáveis eram orgânicos e iam parar no galinheiro, aos patos ou aos coelhos (e não estou falando do século XVII). Não existia o plástico, nem o nylon. A borracha só víamos nas rodas dos autos e, as que não estavam rodando, as queimávamos na Festa de São João. Os poucos descartáveis que não eram comidos pelos animais, serviam de adubo ou se queimava..

Desse tempo venho eu. E não que tenha sido melhor.... É que não é fácil para uma pobre pessoa, que educaram com "guarde e guarde que alguma vez pode servir para alguma coisa", mudar para o "compre e jogue fora que já vem um novo modelo".

Troca-se de carro a cada 3 anos, no máximo, por que, caso contrário, és um pobretão. Ainda que o carro que tenhas esteja em bom estado... E precisamos viver endividados, eternamente, para pagar o novo!!! Mas... por amor de Deus!

Minha cabeça não resiste tanto. Agora, meus parentes e os filhos de meus amigos não só trocam de celular uma vez por semana, como, além disto, trocam o número, o endereço eletrônico e, até, o endereço real.

E a mim que me prepararam para viver com o mesmo número, a mesma mulher e o mesmo nome (e vá que era um nome para trocar). Me educaram para guardar tudo. Tuuuudo! O que servia e o que não servia. Por que, algum dia, as coisas poderiam voltar a servir.

Acreditávamos em tudo. Sim, já sei, tivemos um grande problema: nunca nos explicaram que coisas poderiam servir e que coisas não. E no afã de guardar (por que éramos de acreditar), guardávamos até o umbigo de nosso primeiro filho, o dente do segundo, os cadernos do jardim de infância e não sei como não guardamos o primeiro cocô.

Como querem que entenda a essa gente que se descarta de seu celular a poucos meses de o comprar? Será que quando as coisas são conseguidas tão facilmente, não se valorizam e se tornam descartáveis com a mesma facilidade com que foram conseguidas?

Em casa tínhamos um móvel com quatro gavetas. A primeira gaveta era para as toalhas de mesa e os panos de prato, a segunda para os talheres e a terceira e a quarta para tudo o que não fosse toalha ou talheres. E guardávamos...

Como guardávamos!! Tuuuudo!!! Guardávamos as tampinhas dos refrescos!! Como, para quê? Fazíamos limpadores de calçadas, para colocar diante da porta para tirar o barro. Dobradas e enganchadas numa corda, se tornavam cortinas para os bares. Ao fim das aulas, lhes tirávamos a cortiça, as martelávamos e as pregávamos em uma tabuinha para fazer instrumentos para a festa de fim de ano da escola.

Tudo guardávamos! Enquanto o mundo espremia o cérebro para inventar acendedores descartáveis ao término de seu tempo, inventávamos a recarga para acendedores descartáveis. E as Gillette até partidas ao meio se transformavam em apontadores por todo o tempo escolar. E nossas gavetas guardavam as chavezinhas das latas de sardinhas ou de corned-beef, na possibilidade de que alguma lata viesse sem sua chave.

E as pilhas! As pilhas das primeiras Spica passavam do congelador ao telhado da casa. Por que não sabíamos bem se se devia dar calor ou frio para que durassem um pouco mais. Não nos resignávamos que terminasse sua vida útil, não podíamos acreditar que algo vivesse menos que um jasmim. As coisas não eram descartáveis. Eram guardáveis.

Os jornais!!! Serviam para tudo: para servir de forro para as botas de borracha, para por no piso nos dias de chuva e por sobre todas as coisa para enrolar.

Às vezes sabíamos alguma notícia lendo o jornal tirado de um pedaço de carne!!! E guardávamos o papel de alumínio dos chocolates e dos cigarros para fazer guias de enfeites de natal, e as páginas dos almanaques para fazer quadros, e os conta-gotas dos remédios para algum medicamento que não o trouxesse, e os fósforos usados por que podíamos acender uma boca de fogão (Volcán era a marca de um fogão que funcionava com gás de querosene) desde outra que estivesse acesa, e as caixas de sapatos se transformavam nos primeiros álbuns de fotos e os baralhos se reutilizavam, mesmo que faltasse alguma carta, com a inscrição a mão em um valete de espada que dizia "esta é um 4 de bastos".

As gavetas guardavam pedaços esquerdos de prendedores de roupa e o ganchinho de metal. Ao tempo esperavam somente pedaços direitos que esperavam a sua outra metade, para voltar outra vez a ser um prendedor completo.

Eu sei o que nos acontecia: nos custava muito declarar a morte de nossos objetos. Assim como hoje as novas gerações decidem matá-los tão-logo aparentem deixar de ser úteis, aqueles tempos eram de não se declarar nada morto: nem a Walt Disney!!!

E quando nos venderam sorvetes em copinhos, cuja tampa se convertia em base, e nos disseram: Comam o sorvete e depois joguem o copinho fora, nós dizíamos que sim, mas, imagina que a tirávamos fora!!! As colocávamos a viver na estante dos copos e das taças. As latas de ervilhas e de pêssegos se transformavam em vasos e até telefones. As primeiras garrafas de plástico se transformaram em enfeites de duvidosa beleza. As caixas de ovos se converteram em depósitos de aquarelas, as tampas de garrafões em cinzeiros, as primeiras latas de cerveja em porta-lápis e as cortiças esperaram encontrar-se com uma garrafa.

E me mordo para não fazer um paralelo entre os valores que se descartam e os que preservávamos. Ah!!! Não vou fazer!!!

Morro por dizer que hoje não só os eletrodomésticos são descartáveis; também o matrimônio e até a amizade são descartáveis. Mas não cometerei a imprudência de comparar objetos com pessoas.

Me mordo para não falar da identidade que se vai perdendo, da memória coletiva que se vai descartando, do passado efêmero. Não vou fazer.

Não vou misturar os temas, não vou dizer que ao eterno tornaram caduco e ao caduco fizeram eterno.

Não vou dizer que aos velhos se declara a morte apenas começam a falhar em suas funções, que aos cônjuges se trocam por modelos mais novos, que as pessoas a que lhes falta alguma função se discrimina o que se valoriza aos mais bonitos, com brilhos, com brilhantina no cabelo e glamour.

Esta só é uma crônica que fala de fraldas e de celulares. Do contrário, se misturariam as coisas, teria que pensar seriamente em entregar à bruxa, como parte do pagamento de uma senhora com menos quilômetros e alguma função nova. Mas, como sou lento para transitar este mundo da reposição e corro o risco de que a bruxa me ganhe a mão e seja eu o entregue...

Eduardo Galeano 

(Jornalista e escritor uruguaio)


quarta-feira, 27 de julho de 2011

Estercos e Ingenuidades Estivais

por cá e pelo restante habitáculo terrestre, os motivos de perplexidade multiplicam-se.

Desenrolam-se os costumeiros fogos florestais, que há quem diga são encomendados pela "indústria dos fogos". As personagens governamentais sãode uma mediocridade e impúdica matreirice, que nos assalta uma espécie de saudade de Sócrates, da sua dignidade e consistência, pirante a torva malevolência que orquestrou a ingénua e ignorante irresponsabilidade de muitos portugueses.

A morte jovem de cantantes pop, corroídos pelas drogas e pelo álcool, começa a ser um lugar-comum; e o facto de lhe serem dedicadas tantas jaculatórias, é já de uma rotineirice tanatológica. O talento lançado na sarjeta dos estupefacientes deveria causar alergia e não panegíricos de comovente lembrança. Os grandes heróis e heroínas deste mundo, são as pessoas que fazem quotidianamente um enorme esforço para existir, por diferentes motivos ( sociais, de saúde, económicos, étnicos, etc ).

O caso do norueguês psicopata, filiado na Extrema Direita e na Maçonaria, pelo menos, demonstra como as Instituições albergam toda a casta de malvados. Não basta reclamar-se "da verdade, fraternidade, humanismo".
A fézada das irmandades não vê mais...

quarta-feira, 13 de julho de 2011

"nihil sub solo novum"

«Quando, em Abril de 1945, a paz pairou sobre a Europa, depois de os Aliados terem derrotado a Alemanha nazi e a Itália fascista, qual era o panorama que se podia ver no Velho Continente e nos EUA?


Na Europa, era tanta a fome na Alemanha, na Áustria, na Itália, como na vitoriosa Grã-Bretanha ou na desocupada França e na mártir Bélgica. A fome estendia-se, também, aos países neutros como Portugal e Espanha. Os circuitos produtivos estavam completamente destruídos e as correntes comerciais eram quase inexistentes. Milhões de desalojados deambulavam de um lado para o outro à procura das suas antigas raízes. Era dantescamente um caos. Em contrapartida, nos EUA, pesem embora as elevadíssimas perdas de vida entre a juventude americana, não havia desemprego, a economia era florescente, as fábricas trabalhavam a bom ritmo e produziam em abundância.

Este cenário era magnífico para os americanos e péssimo para os europeus. Mas o que interessa uma economia florescente se não puder expandir-se? Rigorosamente nada, porque transporta no seu seio o feto da crise. Uma crise que, mais tarde ou mais cedo, estalará em função da retracção que se irá verificar no mercado interno por estar saturado. Assim, interessa expandir-se, abrir-se ao exterior, para continuar a fazer crescer a produção, as vendas, o emprego e o rendimento das famílias e o lucro dos capitais.

Isto mesmo percebeu George Marshall, Secretário de Estado dos EUA, que propôs uma ajuda financeira à Europa, para recuperação da máquina produtiva. Claro que a ajuda saía por um lado, mas o retorno fazia-se por outro, na medida em que o Velho Continente passou a ser um excelente comprador dos produtos americanos. Isso permitiu, de facto, a recuperação europeia, mas uma recuperação dependente dos EUA que se concretizou melhor e mais eficientemente na imediata criação da OTAN ou NATO.

O progresso europeu foi tal que, uma dezena de anos após a guerra, vivia-se por cá um boom económico muito significativo. Ao romper a década de 60 do século passado a Europa tinha recuperado e estava a lançar as bases da Comunidade Económica Europeia (CEE). Era o nascer de uma nova temporada. Uma temporada que veio desembocar na União Europeia e na moeda única, o Euro. De repente (duas dezenas de anos em História é um curto lapso de tempo), aquilo que começou por ser um plano para manter os altos padrões de produção e de consumo da economia dos EUA tornou-se numa ameaça série à economia americana. A palavra de ordem, depois da última crise económica dos EUA, foi simples: destrua-se o Euro, destruindo, se necessário for, a Europa. E por onde se inicia essa destruição? Pelos flancos mais frágeis: Grécia, Portugal e Irlanda, passando, depois aos restantes. E até onde se pode e deve ir? Até que a Europa fique, sem nela rebentar uma bomba, tal e qual como estava em 1945, ou seja, com os circuitos económicos todos destruídos. Para quê? Para que os EUA possam, uma vez mais, desenvolver um qualquer programa de auxílio semelhante ao plano Marshall. Um plano que auxilia mais quem o dá do que quem o recebe.

Só não vê quem não quer ver! A História dá as lições… é necessário saber interpretá-las! Esse era (é) o motivo porque nas Academias Militares se ensinava (ensina) História militar, pois, os campos de batalha podem variar e mudar os intervenientes, mas não mudam as táctica nem as estratégias… Alteram-se em função da tecnologia, nada mais! Infelizmente, não há academias para formar os políticos… Assim, poderiam estudar História e saber que nihil sub solo novum.»


Luís Alves de Fraga (*)


(*) É diplomado pela Academia Militar (1965), licenciado em Ciências Político-Sociais pelo ISCSP –UTL – 1977, mestre em Estratégia – ISCSP – 1991 e doutor em História pela Universidade Autónoma de Lisboa – 2009. Antigo professor efectivo titular do Instituto de Altos Estudos da Força Aérea (1981/85), antigo professor efectivo da Academia da Força Aérea (1985/96), é professor auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa desde 1992. É membro do Conselho Científico da Comissão Portuguesa de História Militar.


domingo, 3 de julho de 2011

Ana Paula Inácio



O poeta carreirista

está sempre a morrer nos poemas

de cancro do pulmão ou cirrose hepática

mas na verdade cuida da sua obra (e do respectivo autor)

data-a e arquiva-a minuciosamente

trava mesmo amizade com uma bibliotecária

que o auxilia em braile

não vá acontecer-lhe

como o Camilo

frequenta o ginásio,

masca Trident Senses

e milita nos partidos certos.

O poeta carreirista já nasceu poeta

foi bem orientado desde pequeno

inscrevendo-se na Associação Portuguesa de Autores

mesmo sem obra publicada

não fosse alguém roubar-lhe a ideia

dorme com um olho aberto outro fechado

- nos poemas lê-se insónia –

e namora rapariga letrada

embora aos 35 sofra uma crise de orientação sexual

e aos 40 tente uma escrita erótica mais abrangente

a manquejar Sena e a farejar alguns espanhóis.

O poeta carreirista não bebe cerveja

mas vinho tinto do Alentejo

abre às vezes excepções e acompanha-a com

tremoços ou caracóis.

O poeta carreirista vai a tudo

rádio, TV e revistas,

coquetterie fina

e instala-se, de preferência, na capital.



Acrobacias

sentados em Trafalgar Square

no intervalo de amigos

com o tempo entre mãos

treinávamos o inglês

num inquérito de revista

com Francis Bacon na capa

que perguntava:

qual dos membros

- superiores ou inferiores –

preferíamos perder

(esta ablação em língua estrangeira

torna-se indolor, quase anestesiada)

respondeste: os braços

as pernas conservá-las-ia

como a liberdade de poder andar

respondi: as pernas

não queria ver-me

impedida de abraçar.

Assim juntando as nossas

perdas

eu abraço-me a ti

e peço-te anda, mostra-me o mundo

e quando nos cansarmos

abraçar-me-ás, então, com as pernas

e eu

andarei com os braços.

 
ANA PAULA INÁCIO
 
in «2010 - 2011»
 
Edições AVERNO, 2011.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Música Portuguesa da República


Sofia Lourenço (Piano)
Maria João Matos (Soprano)
Francisco de Lacerda, Alfredo Keil e Vianna da Motta
Concerto em Paredes de Coura, a 25 de Abril de 2011

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Quadras sanjoaninas

S. João faz uma graça
Ao bom povo português:
O agiota escorraça
mais a mãezinha que o fez.

Dá-nos juros a Europa
Que não podemos pagar;
Matar à fome esta tropa
É o que nos vai calhar.

E já agora não se enjeita
Um favorzinho também:
Livra-nos desta Direita
Pater noster, gloria, amen.

Vamos comendo as sardinhas
E os pimentos na brasa,
Esquecendo as magrinhas
Alegrias cá de casa.

De Portas e de Coelho
E da Esquerda arruaceira
Salva apenas em vermelho
Uma rosa toda inteira.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

João Habitualmente

APOCALIPSE

João Habitualmente


1

recatai-vos velhas
fugi para a igreja
abanai o sino
fechai bem no quarto
o vosso netinho
o vosso menino
para que não veja
para que não saiba
para que não seja
assim como esses
que são cabeludos
que só têm barba
dizem palavrões
e dão encontrões
nas ruas da baixa
aos senhores sisudos

são uns parvalhões
recatai-vos velhas
trazei um polícia
uma esquadra inteira
ai tanta sujeira
imaginem só
andam-se a drogar
até metem dó
a cambalear

isto está perdido
ó velhas fugi
e para ali
que aqui está fodido

recatai-vos velhas
tapai as orelhas
guardai o menino
fechai-o no quarto
metei-o na cama
para que não veja
para que não ouça
para que não seja
para que não tenha
para que não venha
perdeu-se o respeito
já não há moral

ó velhas fugi
olhem para ali
beijam-se na rua
fodem ao luar
antes de casar
já nem vão à tropa
só querem dinheiro
todo para estourar
já nem vão às putas
mostrar que são homens

ó senhor prior
já nem vão à missa
não têm missal
isto é um horror
vamos mesmo mal

fechai os olhos
não vejais o netinho
guardai-o no fundo
de um quarto comprido
para que não veja
para que não tenha
para que não seja
para que não venha
recatai-vos velhas
que já nem na praia
se consegue estar
ó virgem maria
ó senhor do céu
essas estrangeiras
deu-lhes para andar
de mamas ao léu
a tremelicar

ó velhas cuidado
assim é que não
inda a procissão
só vai no adro
não deixes que a merda
se ponha a medrar
gritai pelas ruas
falai prós jornais
morra a juventude
fine a desvergonha

chamemos quem ponha
estes animais
c'o a corda rente
ó velhas chamai
o presidente

2

libertai-vos velhas
vinde para o sol
dançar rock n' roll
ide até a lua
c'uma ganza fixe
esticai o dedo
panhai boleia
fumai muito haxixe
ponde a casa cheia
dos nossos poetas
dos nosso malucos
andai de autocarro
a fugir ao pica

libertai-vos velhas
não pagueis a taxa
acabai com a graxa
aos vossos patrões
cagai no juízo
nas boas maneiras
cagai nas peneiras

ó velhas então?
vinde para aqui
para a confusão
ó velhas vesti
uma mini-saia
deixai que vos caia
esse ar tão mortiço
essa cara chocha
mostrai a coxa
gritai uma asneira
uma malandrice

pelos microfones
das rádios-pirata
ouvi os Police
os Rolling Stones
não vos afoguei
em mais água benta
bebei um bagaço
jogai a dinheiro
ide ao cangalheiro
adiai a morte
ide pelo mundo
por estradas à sorte
vinde para aqui
para o reviralho
e se não quiserdes
ide para o caralho!

(in "Agradecemos", Edições Pé-de-Cabra, 1995)