quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Câmara Escura



ALTERNADEIRAS

Contigo, leitor, celebro
esta união sem facto, abro
este habitáculo, algumas gavetas
secretas para demorar contigo emoções
e escárnios. És, talvez, como eu
uma alternadeira de palavras, destas
que vendem no papel, os objectos
trucidados pelo olhar em lençóis
de falsa transparência e ficção
furtiva. Outras, mais reais
e mais humanas, professam
uma devastada arte de amar
e nós um devastado amor
à arte dos versos que ninguém
lê. Só nos lemos
uns aos outros, tal como elas
se vigiam sobre o trottoir.

http://edlinguamorta.blogspot.com/

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Mais poesia para “tempos de indigência”

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade

In Até Amanhã , 1956, Limiar, Porto

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

"Para que servem poetas em tempos de indigência?"

Uma das respostas ao célebre dito de Hölderlin, poderá também estar neste conhecido poema do português António Ramos Rosa, nascido a 17 de Outubro de 1924.

Não posso adiar o amor

para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque

na garganta
ainda que o ódio estale

e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese

séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore,
não posso adiar para

outro século a minha

vida
nem o meu amor
nem o meu grito de

libertação
Não posso adiar o coração


In “Viagem Através de Uma Nebulosa”

“Signos” – Lisboa Editora.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Whitney Houston (1963 - 2012)

Triplo Homicídio

Mais três pessoas do sexo feminino que foram exterminadas barbaramente pelo homem da casa. A mais nova era uma criança de, pelo que dizem alguns jornais, 4 anos. Pergunto-me se ocasionalmente fosse um neto em vez de uma neta, o assassino susteria a sua fúria homicida. Haveria a esperança de que esse neto, por uma espécie de legado ancestral, quando chegasse a adulto, fosse herdeiro desse ímpeto agressivo inominável, que permite que o número de mulheres e meninas assassinadas em Portugal cresça numericamente todos os anos, sem que o inverso se verifique, isto é: são raríssimos os casos de homens mortos pelas companheiras ou esposas.

Resta averiguar se a sanha homicida que incluiu os animais domésticos da casa também teve em conta a semelhança de género.

http://aeiou.visao.pt/triplo-homicidio-em-beja-ainda-sem-explicacao=f646172

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O "nosso" Dickens


Anda-se a falar muito de Charles Dickens, a propósito do duplo centenário do seu nascimento. Como outros autores (as irmãs Brontë, Jane Austen, George Sand, Zola, etc .) povoaram de personagens e enredos inesquecíveis as longas Férias Grandes da nossa pré-adolescência e juventude. Partilhávamos estas absorventes leituras com as longas tardes de praia, nas barracas de lona, listadas, das praias da Foz e de Matosinhos ainda virgens de poluição e petróleos. Havia passagens de Dickens que se liam e reliam. Lembro-me, bastante bem, dos infortúnios de Oliver e David. E do contentamento que experimentávamos quando eles se libertavam das terríveis desditas e gente maquiavélica, no clima sociológico da Revolução Industrial.

Esses clássicos propunham-nos, nas suas narrativas, embora bem arrumadas em termos de temporalidade e espacialidade, o desconforto e os dramas do acto de viver numa sociedade sem previdências, reformas, e tantos outros direitos que hoje se imagina que existem desde o início dos tempos.

O hedonismo parvalhão instalou-se nos objectivos do Ser Humano, com todas as belas consequências que estão à vista. Va-lha-nos, ao menos, a lembrança dos clássicos.

Resolutamente contra

"Enviado por um amigo por mail:
RESOLUTAMENTE CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO

Aproveitando o gesto louvável de Vasco Graça Moura, aqui ficam uma série de detalhes claros sobre a natureza jurídica do Acordo Ortográfico de 1990:

1 - A nova ortografia, acordada pelo Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), foi promulgada pela Resolução da Assembleia da República (AR) n.º 26/91, de 23 de Agosto (com pequenas a...ctualizações posteriores), e pormenorizada pela Resolução do Conselho de Ministros (CM) n.º 8/2011.

2 - A ortografia ainda em vigor, acordada pelo Acordo Ortográfico de 1945 (AO45), foi promulgada pelo Decreto n.º 35.228 de 8 de Dezembro de 1945, e ratificada em 1973, com pequenas alterações, pelo Decreto-Lei n.º 32/73 de 6 de Fevereiro.

3 - O Código do Direito de Autor e Direitos Conexos foi promulgado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março (com pequenas actualizações posteriores).

4 - Na hierarquia legislativa um Decreto-Lei está acima duma Resolução da AR ou do CM. Um Decreto-Lei é vinculativo, ao passo que uma Resolução é uma mera recomendação.

5 - Por conseguinte, uma Resolução não tem força legal para revogar um Decreto-Lei, e por isso o AO45 continua em vigor.

6 - Em caso de conflito entre a nova ortografia e o Direito do Autor, o que prevalece é o Decreto-Lei do Direito de Autor.

7 - Em consequência, nenhum editor é obrigado a editar os seus livros ou as suas publicações segundo a nova ortografia, nem nenhum Autor é obrigado a escrever os seus textos segundo o AO90. Mais ainda: tentar impor a nova ortografia do AO90 é um acto ilegal, porque o que continua legalmente em vigor é o AO45.

8 - Ao abrigo do Código do Direito de Autor, os Autores têm o direito de preservar a sua própria opção ortográfica, conforme consta do n.º 1 do Art. 56.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, onde se diz que o autor goza durante toda a vida do direito de assegurar a genuinidade e integridade da sua obra, opondo-se à sua destruição, a toda e qualquer mutilação, deformação ou outra modificação da mesma, e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue."

Nota: Texto recolhido no mural do Facebook de Vitor Manuel Oliveira Jorge.

Mais se acrescenta que nem a Casa de Serralves nem a Casa da Música, instituições culturais do Porto, adoptaram o novo acordo ortográfico.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Wislawa Szymborska (1923 - 2012)


Despedida da paisagem

Não guardo rancor à Primavera
por de novo ter chegado.
Não a recrimino
por todos os anos
cumprir o seu dever.

Entendo que a minha tristeza
não detenha a vegetação.
Se uma erva vacilar,
fá-lo-á apenas com o vento.

Não me causa dor
que os amieiros junto à água
tenham novamente com o que silvar.

Estou ciente de que
a margem daquele lago
permanece bonita
como se ainda vivesses.

Não guardo ressentimento
à paisagem por oferecer vista
para a baía radiante com o sol.

Consigo até imaginar
que outros e não nós
estejam agora sentados
no tronco da bétula tombada.

Respeito o seu direito
ao sussurro, ao riso
e ao silêncio feliz.

Presumo até que
os una o amor
e que ele a abrace
com o seu braço vivo.

Algo novo, de pássaro,
murmureja nos juncais.
Sinceramente lhes desejo
que o ouçam.

Não reclamo nenhuma mudança
das ondas costeiras,
sejam indolentes, sejam ligeiras
e não a mim obedientes.

Nada exijo
do lago junto ao bosque,
ora esmeralda,
ora safira,
ora negro.

Numa coisa discordo.
No meu retorno lá.
O privilégio da presença -
prescindo dele.

Sobrevivi-te o suficiente
e apenas o suficiente
para pensar de longe.

(tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves, em Alguns gostam de poesia, ed. Cavalo de Ferro; poema original de Fim e Princípio)