sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Puer natus est nobis

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Dos contos de fadas da
minha infância, este da Divina
Criança era dos mais maravilhosos. Não
faltaram os exóticos magos guiados
pela mística estrela, a noite gelada, os
mansos animais, o desvalido ermo, a pobreza
transformada em glória. O bem
sucedido parto de uma virgem, tantos séculos
antes das pesquisas genéticas. O pior
foi quando quiseram contar o Tempo
a partir desta história. Podiam ter escolhido
outra, com um fim menos cruel. Antes
a da Cinderela ou a do Príncipe Sapo, onde
todos viveram felizes para sempre. Sempre?
E o que é



Sempre?


I. L.

(in A Disfuñção Lírica, & etc, 2007)






sábado, 13 de dezembro de 2008

Ana Paula Inácio - 2 poemas

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SENHORA VERMEER

À senhora Vermeer coube-lhe a sorte
de não caber nos quadros
de Vermeer, seu marido.
Não possuía o traço do anil
ou do ouro
que lhe caíam do regaço
como única declaração de posse
das jóias e do marido
que não era jóia nenhuma
como dizia a criada
que sabia como se cozinhavam as coisas
à rapariga do brinco
que ele pintou para sua desgraça.
A senhora Vermeer não ficou na História de Arte
na das histéricas lágrimas
e inúteis poses
desvairada e borratada
na sua pintura.


MADAME MOUTON

Passo a partir de agora,
caro leitor,
a escrever poemas com direito a admissão:
serão aceites os sarcásticos.
És testemunha e, por isso, selas a ouro,
leitor,
esta promessa de tempos escassos e cínicos.
(Quem disse que os meus poemas eram bucólicos,
quem me colou o selo e me expediu para a província?)
Porque a poesia,
Edward, dear,
não me abriga da morte,
é no máximo um cárcere frio
onde nem tu, meu amor, entras
ponho-te um prato de amor de fora
para que te consoles aos fins-de-semana e dias festivos.
Que não seja uma feijoada fria
ou qualquer outro tipo de vingança
porque da janela do meu cárcere
não avisto mar nem Tabacaria.
E para ser franca, leitor,
nem por ti anseio
ou por ti, meu amor 'outra vez'
nem por Pavia ou Roma 'ao contrário'
que não se fizeram num dia.


in Telhados de Vidro n.º 11, Novembro 2008, Averno, Lisboa

Direcção: Inês Dias e Manuel de Freitas
Arranjo gráfico: Pedro Serpa (sobre grafismo de Olímpio Ferreira)
Fotografia: Inês Dias (Copenhaga, 2007)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Parabéns, MANOEL!!!

Numa entrevista, o nosso grande cineasta, que hoje perfaz 100 anos e anda em plenas filmagens de Singularidades de uma Rapariga Loura , comentou a propósito dos escassos "públicos" atribuídos aos seus filmes:

Públicos são os urinóis!

Grande Manoel! É por essa lúcida
e especial visão que te amamos.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Florbela Espanca


Vila Viçosa, 8 de Dezembro de 1894
Matosinhos, 8 de Dezembro de 1930
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ter garras e asas de condor"
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sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

"O Natal aos melhores preços?"

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Não se pode abrir um aparelho de televisão ou rádio, entrar em lojas e centros comerciais, abrir a caixa do correio. "O Natal aos melhoresa preços" persegue-nos.

Até ouvi uma versão do "Silent Night" com a palavra "Porsche" repetida como letra da música, anunciando o sorteio de um bólide dessa marca, entre os clientes natalícios.
Simplesmente obsceno e ridículo. Então o Bom Jesus, o tal das palhinhas, cuja família se deslocava em jumento, serve para publicidade de grande cilindrada?

Não sou saudosista de tempos idos, mas a simbologia do tempo e temas de Natal deterioraram-se a tal ponto, que apetece emigrar, nesta época, para sítios onde a historinha de Belém não exista. Nem o vergonhoso mercantilismo hipócrita em que se transformou.
Isto não significa que em séculos passados o fanatismo e as diversas inquisições e oligarquias fossem menos hipócritas. A "bondade" humana (e divina) é um mito.

Era bem melhor se as festividades natalícias se chamassem apenas "Solstício de Inverno", aludindo aos primórdios da Civilização, onde tudo, ainda era possível.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Rua do Bonjardim

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1.


Uma janela de guilhotina
golfava na rua, vozes
de barítono rouco e contralto
agreste, num vibrato de raivas
do libreto diário, onde muito
ou pouco, se teriam amado.


2.


Ao entrar no quiosque
nesta tarde de névoa, para
comprar um jornal qualquer, uma criança
pediu algo que não entendi. Seria
uma moeda para um chiclet? Perguntei
ao homem sentado atrás das
revistas do coração e dos diários
da bola, de quem seria a criança, como
se pudesse ser de alguém, um ser
tão súbito, nascido da genealogia
indecifrável da tarde.


3.


Vindo do Marquês, o autocarro
chiava na curva estreita, soltando
os seus vapores de gasóleo, e
num portal surgia um gato pardo
para o qual me inclinei, sabendo
que fugiria ao contacto
da minha mão, ou apenas ao
esboço de carícia, como fazem
os gatos, tão fugidios na presença
de estranhos. Mas o animal no
instante do recuo, aceitou o
deslizar dos meus dedos,
em troca de amáveis energias. E
uma longa saudade subiu-me pelo
braço, no arquear festivo
daquele pequeno tigre.



PENHORES


Aros esmaecidos, os anéis repousam
em brilhos desertos. Tantas
histórias banais com letreiro de
ouro usado. Nessa dúbia cor, uma
nobre tristeza resgata
os formatos vulgares e desenha
velhas parábolas
de purgatório e redenção.

I. L.

(dos livros Teoria da Imunidade (1996) e Um Quarto com Cidades ao Fundo (2000)

Nota: post dedicado a uma leitora do blogue, que reside em Inglaterra, mas que descobriu que um seu trisavô nasceu perto desta rua, em 1824.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Rui Lage - "CORVO"

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CAÇA GROSSA

Entopem o gargalo da toca
espetando o nariz, calcando
esquivo lagarto pateando
ossinhos de rato no Éden
de outra vida
enquanto das élficas orelhas
sacodem dejectos de sol:
duas raposas recém-nascidas.

Indiferentes ao milhafre
e à doninha,
em qualquer colo felizes
de qualquer leite beberiam.

Mas na aldeia,
numa porta de estábulo
imunda e carunchosa
o sangue secou no ruivo pêlo
e na materna cabeça a pólvora
onde a bala deu entrada.


Rui Lage, Corvo, Quasi Edições, VNFamalicão, 2008

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

"O PORTO É O MAIOR"

Uma mulher já muito sexagenária, gritava, noite fechada, na rua, festejando a vitória portista sobre os "lagartos", para a Taça de Portugal.

Perguntei-lhe a razão de tal festejo ainda precoce, atendendo ao tempo que ainda falta para a final da tal Taça:
"Olhe, minha senhora, o meu marido trata-me mal; sou diabética, estou quase cega e os meus filhos por quem tanto me empenhei, desprezam-me. Ao menos o Porto, dá para festejar."

Mais uma vez constatei como o futebol pode ser um excelente "Prozac". Daí a sua grande popularidade e consumo.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Oh!!! Obama!!!

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Vitória CLARA dum senhor ESCURO.


Ainda 50 anos, em Nova Iorque, uma mulher negra tinha que se levantar, num autocarro, para dar lugar a um homem branco.

Independentemente do ajustamento da esperança de mudança, às cruas realidades políticas, económicas e sociais, que inexoravelmente se vai seguir, foi uma bela vitória.

Reinvente-se a América.


sábado, 1 de novembro de 2008

JUKEBOX 2 - Manuel de Freitas

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ALDINA DUARTE, 2007

O Sr. Vinho fazia apenas mais
um ano do que tu. São coisas que
acontecem, tão exactas e por vezes
belas como a tristeza de saber
que "tudo aquilo que hoje
existe/um dia há-de morrer".

Aquele corpo, de olhos fechados,
pedia com as mãos que não
o fotografassem essa noite,
sujando uma alegria que até na dor
prevalece e ficou, durante alguns
segundos, encostada aos nossos ombros.

quando ouviram Ai Meu Amor
se Bastasse as pedras de gelo
aceitaram desfazer-se no meu copo,
muitos anos depois de termos gasto a morte:
agora que nenhum esquecimento basta
e se reacende, todavia, a vela frágil do amor.


Jukebox 2, Teatro de Vila Real, Out. 2008


Mais poemas de Manuel de Freitas aqui , aqui e aqui

Para os mais interessados, Averno diz mais.