segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Mais um número da revista "Telhados de Vidro", o 10.º, da editora "Averno"


(poema de José Miguel Silva, incluído em Volta ao Mundo, conjunto de 3 poemas, publicado nesta edição)


Mas que resta para ver ou comentar
nesta feira pecuária, perguntas
recordando como tudo já foi dito
vinte vezes por cabeça, e repetir
repetições é engodar ritualmente
a esperança. Mas o próprio silêncio
é uma pose, e bem pouco original.
De resto, quem da poesia colhe
o benefício dum lamento ou esconjuro,
tem direito à inestética dum "foda-se!"
sonoro quando a sanha do martelo
lhe desaba em pleno dedo. Que querias?
Que calasse o prejuízo na cordura
dum estar arranjadinho, decoroso?
(Ou pior: que adubasse num sim-sim
de pechisbeque o subarbusto da penúria?)
Que diabo, mas será que só os ricos
é que podem vestir mal?

J. M. S.
______________
Telhados de Vidro n.º 10 - Maio, 2008
Direcção: Inês Dias e Manuel de Freitas

7 comentários:

angelá disse...

Com a coordenaqção do Manuel de Freitas só podia ser bom. Vou procurar que não conhecia.
A si, pu-la lá no meu porto em boa companhia.
Obrigada, I.L.
Est

angelá disse...

O "est" saiu sem q eu saiba porquê... tecnologias. Sorry.

nnannarella disse...

Quem os não tem ?...

E a propósito, um poema bom de se ler, este que nos ofertou, bem arranjadinho no seu vernáculo intrépido e irreverente.

Magnani não tem um n a mais, não Senhora, mas eu tenho outras fanzices, sim Senhora.
O "Sezim" é o nome de um vinho especial lá da região do Jacinto, que não acho assim tão devorada por fogos nem por desertificação humana... Magoada por mau gosto e desleixos vários, sim. Pobres babuges do Douro entregues às várias "feiras pecuárias"...

Victor Oliveira Mateus disse...

Chegou finalmente o "Movimentos no
escuro" encomendado há milénios...
Tinha razão! "Isto" é poesia!Neste gostei de expressões como "feira pecuária", o silêncio como pose,
etc... Claro que ao nível do senti-
do não podiamos ir dizer aos astro-
físicos ou para as neurociências
que está tudo dito. Mas eu percebo
a ideia!Depois há a passagem em que
se visa a poesia que colhe o benefí
cio de um lamento ou de um esconju-
ro e ESCOJURAM-SE uma serie de po-
sições desse tipo. Até eu estou
tentado a concordar se esse benefí-
cio for material (glória, fama´, etc.), mas se for um "benefício de
mim para comigo", por que razão não
me posso acalmar (beneficiar) com
um lamento? Foi isso que me fasci-
nou nesta poesia: não é a descrição
puramente denotativa e literal (quase me apetecia dizer: literalis
ta) do quotidiano é um falar que
insiste em dizer por todos os la-
dos. Exº:

"Sou tão feliz. Estas lágrimas,
não liguem, é do álcool.
Vá - pago um copo
a quem disser que me ama!" (p40)

Não é a minha linha (e tinha de o
ser?!), mas é de uma beleza...
Inês, fico-lhe a dever mais esta!
V.

P.S. Esqueci-me de dizer uma coisa. Há aqueles autores que fazem
logo a agulha para as acobracias,
para que não se capte que desconhecem a norma (faro de 37
anos de...), mas aqui percebe-se
logo que estamos frente a alguém
que domina bem a língua e o códi-
go... (É bom quando não sabemos fazer crítica literária, quando não
precisamos de editoras, nem conhecemos as pessoas... podemos
dizer o que achamos sem que pensem
que...)
Abrç.

Anónimo disse...

E o JMS ainda tem outro trunfo no "Movimentos no Escuro", para além desses: consegue escrever poesia "política" evitando as cartilhas da poesia de intervenção, ou "engagée".

Victor Oliveira Mateus disse...

Eu pelo que li já me chegava, mas confesso que o li na oblíqua, coisa que não costumo fazer, pois estava com muita curiosidade. Claro
que "aquilo" vai ter de ser lido como costumo fazer: lápis na mão, características de estilo, aspectos
formais, figuras, grandes temas,etc
Não consigo fazer de outra maneira
e, pelo que vi, o livro merece um
trabalho cuidado. Não consigo ler
de outro modo! Falha a minha! Agora
os três conceitos que aponta, obses
sivo como sou pela questão do rigor
conceptual, tenho alguma dificulda-
de em falar disso assim, a seco. Até porque isso abriria para outras
questões, como a dicotomia esquer-
da/direita que alguns dizem já ultrapassada e onde eu - como já vi
os filmes quase todos - acho interessantes algumas posições do Emmanuel Berl em relação a isso.
Se considerarmos algumas análises
recentes, pelo menos as que eu leio
(por exemplo, eu não leio Revel!
Sou alérgico!) e que vêm de muitas
áreas... até da antropologia (creio
que o Emmanuel Todd é antropólogo...)
e da psicanálise (a Kristeva publi-
cou em 2007 "Cet incroyable besoin de croire", que dá seguimento a trabalhos como "Les nouvelles maladies de l'âme, 1993), ora se
considerarmos muitos desses trabalhos sobre o mundo contemporâ-
neo, quase me apetece dizer que uma poesia "política" (?) nos dias de hoje é já uma poesia "engagée"(?), pois ser "engagéé" hoje não é o mesmo que sê-lo nos anos 50, aí as atitudes e os modelos de comportamento eram de outro tipo. E até podiamos tomar como
exemplo o excelente poema que eu citei: a questão da felicidade hoje, os valores, o desacerto social e afectivo,etc...Eu - e que
me seja perdoada a pretensão- vejo
aqui a tal "poesia politica" (será?), mas tudo isto é muito pessoal: penso que, hoje, mostrar (continuo a gostar mais de "desvelar", tirar o véu, dá mais a ideia do estar escondido) é já
apontar, o que levaria à conclusão
de que a tal "poesia política"(?)
coincidiria HOJE com a tal "poesia
engagéé"(?). Mas, claro, tudo isto é muito discutível e eu tenho grandes
falhas: no campo das ciências soci-
ais nunca li (nem lerei!!!) vários autores: Exº Fukuyama; outros estão em lista de espera há anos (Exº Ramonet). Há três anos que não
leio ensaísmo sobre poesia... portanto, estas conversas para mim
servem apenas para me fazerem pensar e aprender coisas... Exº:
não me tinha passado pela cabeça a
relação da poesia do JMS com a "poesia política"... agora quando o for reler já levo outros olhos. Conclusão: esta ideia de que
"este" político possa coincidir,
no hoje, com o "engagée" é uma ideia que venho tendo, mas - quem
sabe?- se amanhã não tropeço com
um livro ou um argumento e fico a
pensar o contrário... Cada vez tenho menos certezas...felizmente!

hífen disse...

Bom. Estive uns dias fora e reparo que isto se moveu, graças ao mitivador poema do JMS, recentemente publicado na excelente revista "Telhados de Vidro".

Quanto ao "engagement" - que não é, de todo, o caso deste autor - creio que a palavra e o conceito que lhe sub-jaz significa "compromisso ou comprometimento", com uma facção política ou uma ideologia mais ou menos "doutrinada".
Pode-se ser "político" sem ser faccioso ou doutrinário. Mesmo um anarquista é à sua maneiras, político. Como dizia o Parménides "Nada do que é humano me é alheio"; e a velha chaga dos Poderes ou dos "impoderes", tem sido glosada em todas as Artes, ao longo dos séculos.

Não é preciso seguir nenhum breviário ideológico, para escrever excelente poesia que vise uma ética na "polis" e ridicularize os rituais e as tristes e obscenas formas de poder das comunidades humanas.

Leia-se o poema "Feios, Porcos e Maus", do citado livro "Movimentos no Escuro" de JMS,(Relógio d'Água) que evoca, no título, o conhecido filme de Ettore Scola.

Grata pelos comentários.

I. L.