sexta-feira, 4 de outubro de 2013

O Povo: essa entidade múltipla



O populismo sem povo

(...)
Tal entidade - o povo - só existe como uma elaboração ficcional, ou, pelo menos, sob a forma de uma pluralidade de figuras que nada têm a ver umas com as outras: o "povo soberano" da democracia não é a mesma coisa que o "povo jurídico" de kant; e ambos são diferentes do "povo trabalhador" que o movimento comunista elevou a sujeito da História; e nenhum deles se confunde com o povo definido por uma relação orgânica com o solo e o sangue (de onde advém a ideia de um Volk, que foi, em todo o lado, um mito nefasto e quase sempre criminoso). Não existindo o povo, existe no entanto algo que se chama "populismo", contra o qual estamos constantemente a ser alertados. (...) Hoje, o fantasma do populismo alimenta-se de imagens e representações do povo que, à falta de outras, são aquelas criadas pela televisão. Não existe uma figura apreensível do povo como entidade, mas existe um "povo" da televisão, não apenas dos concursos e dos programas de entretenimento, mas também o dos telejornais, fetichizado pelas câmaras e pelos microfones, numa encenação que nos quer fazer crer que é a pura realidade. Trata-se de um povo postiço, que satisfaz uma forma aberrante de telegenia e só existe nos ecrãs. (...)


António Guerreiro, in Público, Ípsilon 4 Outubro 2013

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