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desculpem-me: tropecei,
trapalhão que sou, rasguei as frases,
ergui algumas palavras como um tosco chapéu.
é preciso esperar pelos murmúrios.
é preciso esperar por não ter que provar nada.
eu, regressado do silêncio, confundo-me
ainda com a ideia de fazer versos – como
se eles pudessem ser feitos! – ou de fazer chuva
ou sol, como se essas frases fossem realmente
verosímeis.
é preciso inventar uma expressão que brilhe
por si mesma... mas tropecei,
trapalhão que sou, já vos disse: espero
pelos murmúrios e pelo desprendimento,
aceito o silêncio como eterno
ponto de partida: a sua brancura da página,
o seu irrefragável sentimento das coisas a acontecer.
pacientemente, recolho os murmúrios,
desço a rua onde me situo
e o rio que sobrevoo, ou um bater de asas,
oferecem-me novamente a surpresa do dizer.
*
enquanto tiver boca para as palavras
emudecerei o silêncio, os lentos olhos
do tempo. irei buscar imagens
à memória. porei os dedos entre
os dias, a ilusão de não ser água,
de não desaparecer em nuvem
que depois se precipita. deixai-vos
estar um pouco mais: imaginai
a chuva, o esplendor do verão,
uma luz forte que não desiste.
ide procurar imagens à memória:
a de um corpo pequeno mergulhado
no início da vida, a de uma chuva
primordial, geradora de mundos.
sintam, com os vossos corpos,
o fluir das horas, a combustão contínua
do sol. quem um dia nos chorar
saberá que as lágrimas têm também
a sua história.
Rui Tinoco
Nota: Roland Barthes, falecido como Camus, em plena maturidade, num estúpido acidente de automóvel, muito tempo antes da Net, previu "uma Sociedade de Amigos do Texto" , onde os textos circulariam à revelia de indústrias culturais e canonizações.
Estes textos, enviado para o mail do "Logros", pareceram-me escorreito, logo, dignos da tal "Sociedade".
terça-feira, 28 de abril de 2009
sexta-feira, 24 de abril de 2009
um outro modo de festejar
o 25 de Abril (sempre!)
Pintura de «samartaime»
Samartaime, «A Ilha dos Amores»,óleo s/tela, (100x80cm.)
Lisboa, 1995.
Samartaime, «Da saia que te fica a matar-me»(pormenor), óleo s/tela.
Carcavelos,2009
<Samartaime, «Azul»(2), óleo s/tela.
Fuzeta, 2008
Samartaime, «Azul»(5), óleo s/tela.
Carcavelos, 2009.
A minha amiga samartaime, que muito se empenhou no 25 de Abril, (antes e depois) é daquelas raras pintoras, que se está nas tintas (literalmente) para as visibilidades e o estatuto promocional de "artista". Realmente, nos tempos que correm, faz impressão o frenesi "produtivo" de amostragem bacoca, que por aí grassa,no espaço público, nas diversas áreas "estéticas".Por isso me apeteceu pôr na parede do "Logros", estas telas e congratular-me com estas cores que de uma maneira não convencional nos trazem, nos azuis e amarelos intensos, "O dia inicial inteiro e limpo".
o 25 de Abril (sempre!)
Pintura de «samartaime»
Samartaime, «A Ilha dos Amores»,
Lisboa, 1995.
Samartaime, «Da saia que te fica a matar-me»(pormenor), óleo s/tela.
Carcavelos,2009
<Samartaime, «Azul»(2), óleo s/tela.
Fuzeta, 2008
Samartaime, «Azul»(5), óleo s/tela.
Carcavelos, 2009.
A minha amiga samartaime, que muito se empenhou no 25 de Abril, (antes e depois) é daquelas raras pintoras, que se está nas tintas (literalmente) para as visibilidades e o estatuto promocional de "artista". Realmente, nos tempos que correm, faz impressão o frenesi "produtivo" de amostragem bacoca, que por aí grassa,no espaço público, nas diversas áreas "estéticas".Por isso me apeteceu pôr na parede do "Logros", estas telas e congratular-me com estas cores que de uma maneira não convencional nos trazem, nos azuis e amarelos intensos, "O dia inicial inteiro e limpo".
quarta-feira, 22 de abril de 2009
Entrevistas da Inquisição
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Não se aguenta o ambiente de farsa inquisitorial, em que os jornalistas transformam as entrevistas a Sócrates.
Só interessa inquirir se Cavaco o vai meter na ordem, ao grande CULPADO.
E depois, Freeport, Freeport, Freeport...e a banda desenhada das "pressões". Enfim, o grande cozinhado infame, que tenta fazer deste homem, o bode expiatório de toda a alminha lusa, trafulha.
Quando quer enunciar e recapitular as medidas do seu governo, nesta conjuntura de crise, tentam cortar-lhe a palavra.
Mas ele comeu-os de cebolada, como o grande estadista que é.
A Judite super-maquilhada, com as pálpebras douradas coruscantes, parecia que ia gravar um episódio de alguma novela sul-americana, em vez de entrevistar um político; o comparsa masculino, estava com ar pesado, carrancudo, como se fosse assistir a um fuzilamento.
Quando é que isto muda? Este chavascal "informativo"?
Só fechando o aparelho de televisão.
Não se aguenta o ambiente de farsa inquisitorial, em que os jornalistas transformam as entrevistas a Sócrates.
Só interessa inquirir se Cavaco o vai meter na ordem, ao grande CULPADO.
E depois, Freeport, Freeport, Freeport...e a banda desenhada das "pressões". Enfim, o grande cozinhado infame, que tenta fazer deste homem, o bode expiatório de toda a alminha lusa, trafulha.
Quando quer enunciar e recapitular as medidas do seu governo, nesta conjuntura de crise, tentam cortar-lhe a palavra.
Mas ele comeu-os de cebolada, como o grande estadista que é.
A Judite super-maquilhada, com as pálpebras douradas coruscantes, parecia que ia gravar um episódio de alguma novela sul-americana, em vez de entrevistar um político; o comparsa masculino, estava com ar pesado, carrancudo, como se fosse assistir a um fuzilamento.
Quando é que isto muda? Este chavascal "informativo"?
Só fechando o aparelho de televisão.
segunda-feira, 20 de abril de 2009
Victor Oliveira Mateus - novo livro de poesia
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Nunca soube lançar o pião
como os rapazes no terreiro,
entre os contentores: aprendizes
de ladrões, de proxenetas,
arrumadores. Nunca soube
lançar o pião. Nem puxar-lhe
o cordel entre os dedos
ou içá-lo, rodopiante, ma palma
a mão, acima do solo
conspurcado e mudo. Lancei
a minha vida, os meus
anseios. E foi tudo.
A Irresestível Voz de Ionatos, Editora Labirinto, 2009, Lisboa
Nunca soube lançar o pião
como os rapazes no terreiro,
entre os contentores: aprendizes
de ladrões, de proxenetas,
arrumadores. Nunca soube
lançar o pião. Nem puxar-lhe
o cordel entre os dedos
ou içá-lo, rodopiante, ma palma
a mão, acima do solo
conspurcado e mudo. Lancei
a minha vida, os meus
anseios. E foi tudo.
A Irresestível Voz de Ionatos, Editora Labirinto, 2009, Lisboa
segunda-feira, 13 de abril de 2009
Por amor...
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É sem dúvida quase ofensivo e até sexista o tema do artigo sobre Fernanda Câncio, que consta do 1.º Caderno do último "Expresso".
A sua reconhecida carreira como jornalista e a clarividente forma de radiografar os atrasos, hipocrisias e injustiças sociais, jazem obnubilados pelo "amor"...
Ridículo, se não fosse desprezível e indiciador da capacidade de embuste dos "politicamente correctos", que não pediram "declaração de interesses" aos congeminadores da "carta anónima" e das" fugas de informação".
Um título destes, a saber a ficção "light", adaptar-se-ia a um personagem masculino?
Hoje, ouvi na rádio, que estão em marcha, promovidas pelos governos e organizações sanitárias da África Austral, campanhas pela diminuição das elevadas taxas de HIV. "Um Só Amor", parece que se chama a Campanha, que pretende combater a poligamia e outros usos legais, que propiciam contágios. Só que o "rei" (?) da Suazilândia tem 17 mulheres e o próximo Presidente da África do Sul, tem 5...
E depois ainda há quem se acredite na eficácia de certas "Declarações UNIVERSAIS"..
Não se pode ser discriminado em função do sexo, mas não se ouve falar de Presidentas ou quejandas com estes haréns de homenzarrada...
É sem dúvida quase ofensivo e até sexista o tema do artigo sobre Fernanda Câncio, que consta do 1.º Caderno do último "Expresso".
A sua reconhecida carreira como jornalista e a clarividente forma de radiografar os atrasos, hipocrisias e injustiças sociais, jazem obnubilados pelo "amor"...
Ridículo, se não fosse desprezível e indiciador da capacidade de embuste dos "politicamente correctos", que não pediram "declaração de interesses" aos congeminadores da "carta anónima" e das" fugas de informação".
Um título destes, a saber a ficção "light", adaptar-se-ia a um personagem masculino?
Hoje, ouvi na rádio, que estão em marcha, promovidas pelos governos e organizações sanitárias da África Austral, campanhas pela diminuição das elevadas taxas de HIV. "Um Só Amor", parece que se chama a Campanha, que pretende combater a poligamia e outros usos legais, que propiciam contágios. Só que o "rei" (?) da Suazilândia tem 17 mulheres e o próximo Presidente da África do Sul, tem 5...
E depois ainda há quem se acredite na eficácia de certas "Declarações UNIVERSAIS"..
Não se pode ser discriminado em função do sexo, mas não se ouve falar de Presidentas ou quejandas com estes haréns de homenzarrada...
segunda-feira, 6 de abril de 2009
Giuseppe Tomasi di Lampedusa
Ouvi há pouco, excertos de uma entrevista, na Antena 1, de Mário Soares, em que a propósito dos poucos progressos dos governos europeus para modificar a injustiça social provocada pelo neo-liberalismo, aludiu a:
"um grande realizador italiano que fez um tal 'gato pardo' ou leopardo onde o conde, grande proprietário, recebeu em casa tropas de Garibaldi".
Evidente que, muito pela rama, se referia a Luchino Visconti e ao seu filme de culto, "Il Gattopardo". Admira, Soares que tem fama de bibliómano, não conhecer o livro de Lampedusa, que deu origem ao filme de Visconti. E sobretudo ter feito aquela confusão sobre o "conde" que outro não era senão o siciliano Príncipe de Salinas, personagem central interpretado na película por Burt Lencaster.
Claro que a Soares, só interessava aproveitar a conhecida frase:"é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma"...
Coisa que os políticos profissionais e amadores muito usam praticar, se calhar pressionados por corporações gananciosas e gente comum pouco lúcida.
Uns lapsos bizarros, que não esperava do ex-PR que costuma ser tão bem cotado culturalmente.
"um grande realizador italiano que fez um tal 'gato pardo' ou leopardo onde o conde, grande proprietário, recebeu em casa tropas de Garibaldi".
Evidente que, muito pela rama, se referia a Luchino Visconti e ao seu filme de culto, "Il Gattopardo". Admira, Soares que tem fama de bibliómano, não conhecer o livro de Lampedusa, que deu origem ao filme de Visconti. E sobretudo ter feito aquela confusão sobre o "conde" que outro não era senão o siciliano Príncipe de Salinas, personagem central interpretado na película por Burt Lencaster.
Claro que a Soares, só interessava aproveitar a conhecida frase:"é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma"...
Coisa que os políticos profissionais e amadores muito usam praticar, se calhar pressionados por corporações gananciosas e gente comum pouco lúcida.
Uns lapsos bizarros, que não esperava do ex-PR que costuma ser tão bem cotado culturalmente.
domingo, 5 de abril de 2009
Herberto Helder
__________________________
Falemos de casas, do sagaz exercício de um poder
tão firme e silencioso como só houve
no tempo mais antigo.
Estes são os arquitectos, aqueles que vão morrer,
sorrindo com ironia e doçura no fundo
de um alto segredo que os restitui à lama.
De doces mãos irreprimíveis.
- Sobre os meses, sonhando nas últimas chuvas,
as casas encontram seu inocente jeito de durar contra
a boca subtil rodeada em cima pela treva das palavras.
(...)
Falemos de casas. É verão, outono,
nome profuso entre as paisagens inclinadas.
Traziam o sal, os construtores
da alma, comportavam em si
restituidores deslumbramentos em presença da suspensão
de animais e estrelas,
imaginavam bem a pureza com homens e mulheres
ao lado uns dos outros, sorrindo enigmaticamente,
tocando uns nos outros - comovidos, difíceis, dadivosos,ardendo devagar.
(...)
Falemos de casas como quem fala da sua alma,
entre um incêndio,
junto ao modelo das searas,
na aprendizagem da paciência de vê-las erguer
e morrer com um pouco, um pouco de beleza.»
_________
Prefácio, (poema inicial de "A Colher na Boca"(1961), que igualmente abre o último volume publicado, OFÌCIO CANTANTE - Poesia Completa, Assírio & Alvim, 2009)
Falemos de casas, do sagaz exercício de um poder
tão firme e silencioso como só houve
no tempo mais antigo.
Estes são os arquitectos, aqueles que vão morrer,
sorrindo com ironia e doçura no fundo
de um alto segredo que os restitui à lama.
De doces mãos irreprimíveis.
- Sobre os meses, sonhando nas últimas chuvas,
as casas encontram seu inocente jeito de durar contra
a boca subtil rodeada em cima pela treva das palavras.
(...)
Falemos de casas. É verão, outono,
nome profuso entre as paisagens inclinadas.
Traziam o sal, os construtores
da alma, comportavam em si
restituidores deslumbramentos em presença da suspensão
de animais e estrelas,
imaginavam bem a pureza com homens e mulheres
ao lado uns dos outros, sorrindo enigmaticamente,
tocando uns nos outros - comovidos, difíceis, dadivosos,ardendo devagar.
(...)
Falemos de casas como quem fala da sua alma,
entre um incêndio,
junto ao modelo das searas,
na aprendizagem da paciência de vê-las erguer
e morrer com um pouco, um pouco de beleza.»
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Prefácio, (poema inicial de "A Colher na Boca"(1961), que igualmente abre o último volume publicado, OFÌCIO CANTANTE - Poesia Completa, Assírio & Alvim, 2009)
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