Fados são coisas que se cantam e que tanto encantam como desencantam:
Aldina Duarte
Marceneiro
Carminho,Alexandre O'Neill
Carlos do Carmo, Ary
Camané
Paulo Bragança
É que, expressão de realce, se quem canta seu mal espanta - não é menos verdade que
quem espanta seu mal canta. (Pilantra dixit)
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
GREVE
Greve, sim. Não apenas por causa da austeridade, da perda de subsídios e cortes nos vencimentos, congelamentos vários, desemprego e falências de toda a ordem. Mas também pelo previsível ataque, que as forças da antigalha conservadora, não deixarão de lançar às leis que europeizaram a sociedade portuguesa. Em Espanha, os recém-chegados ao poder, velhas raposas há muito conhecidas, já falaram em rever a lei do Casamento Gay e quiçá da Lei do Aborto.
Mas, ainda muito mais greve a este estado actual de subserviência a troikas mandonas, a agências de rating usurárias e sem rosto, à perda cada vez mais dolorosa da nossa independência política na senda da económica. Acima de qualquer governo que os portugueses possam eleger estão os ditames do FMI, do BEI e da Finança Internacional.
Quem é esta gente, estes merceeiros sem escrúpulos para mandar num país que tem as fronteiras mais antigas da Europa? Sim, porque alemanhas, itálias, áustrias, franças, já para não falar na grande nação norte americana que só nasceu no século XVIII, não passavam de constelações de principados e domínios senhoriais, quando Portugal já era uma nação autónoma e una, que cunhava moeda há muitos séculos. A Itália só se unificou com Garibaldi, no século XIX; a Alemanha, com Bismarck, idem, isto só para citar dois exemplos.
Por isso, causa algumas náuseas ver o sindroma Passos Coelho de bom aluno papalvo, atento e venerador, perante a ditadura dos mercados e seus representantes.
Que havemos de fazer???
Talvez mantermo-nos com as nossas sardinhas assadas e o nosso caldo verde, acompanhadas com um bom naco de boroa. Desistirmos dos Mercedes, casas com piscina e outras mordomias passíveis de substituição por artefactos mais modestos. Um País que tem um Camões e um Pessoa, não pode curvar a cabeça a essa gentalha, novos-ricos da História que estão a precipitar a decadência da civilização europeia e dos seus valores mais admiráveis.
POR TUDO ISTO, ESTAMOS EM GREVE.
Mas, ainda muito mais greve a este estado actual de subserviência a troikas mandonas, a agências de rating usurárias e sem rosto, à perda cada vez mais dolorosa da nossa independência política na senda da económica. Acima de qualquer governo que os portugueses possam eleger estão os ditames do FMI, do BEI e da Finança Internacional.
Quem é esta gente, estes merceeiros sem escrúpulos para mandar num país que tem as fronteiras mais antigas da Europa? Sim, porque alemanhas, itálias, áustrias, franças, já para não falar na grande nação norte americana que só nasceu no século XVIII, não passavam de constelações de principados e domínios senhoriais, quando Portugal já era uma nação autónoma e una, que cunhava moeda há muitos séculos. A Itália só se unificou com Garibaldi, no século XIX; a Alemanha, com Bismarck, idem, isto só para citar dois exemplos.
Por isso, causa algumas náuseas ver o sindroma Passos Coelho de bom aluno papalvo, atento e venerador, perante a ditadura dos mercados e seus representantes.
Que havemos de fazer???
Talvez mantermo-nos com as nossas sardinhas assadas e o nosso caldo verde, acompanhadas com um bom naco de boroa. Desistirmos dos Mercedes, casas com piscina e outras mordomias passíveis de substituição por artefactos mais modestos. Um País que tem um Camões e um Pessoa, não pode curvar a cabeça a essa gentalha, novos-ricos da História que estão a precipitar a decadência da civilização europeia e dos seus valores mais admiráveis.
POR TUDO ISTO, ESTAMOS EM GREVE.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Leonardo di Caprio pintou a Capela Sistina
Vox Pop: A ignorância dos nossos universitários
16-11-2011
Enquanto Portugal se ri da auxiliar de acção médica concorrente da Casa dos Segredos, que julga que África é um país da América do Sul, a SÁBADO fez um teste básico a 100 alunos de universidades de Lisboa.
Ana Amaro, de 18 anos, que frequenta a licenciatura com o mestrado integrado em Psicologia do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), está a fumar à porta da faculdade, em Alfama. Aceita participar no teste de cultura geral da SÁBADO (20 perguntas, divididas por dois questionários de 10, ambos com um grau de dificuldade mínimo), mas está mais preocupada em acabar o cigarro. À quinta questão (qual é a capital dos Estados Unidos?), começa a atrapalhar-se. “Estados Unidos...? A esta hora é muita mau”, queixa-se. Não são 7h, são 13h30, e os colegas começam a sair para o almoço. Mas Ana parece ter acordado há 10 minutos, suspeita que a própria confirma.
A partir daí, é sempre a cair.
Não sabe quem escreveu O Evangelho Segundo Jesus Cristo, quem fundou a Microsoft, quem é Maria João Pires nem que instrumento toca. E não parece preocupada. Afinal, acabou de acordar.
“Não dei isso no 12.º ano”, “Cinema não é comigo”, “Não me dou bem com a literatura” – na arte de justificar a ignorância, os estudantes universitários inquiridos pela SÁBADO têm nota máxima. “Se perguntasse alguma coisa de psicologia, agora cultura geral...”, diz Janine Pinto, optando pela desculpa número um.
– Quem pintou o tecto da Capela Sistina?
– Ai, agora... Tudo o que tem a ver com capelas e igrejas não sei (desculpa número dois dos universitários).
– E quem escreveu O Evangelho Segundo Jesus Cristo?
– Eh pá! Coisas com Jesus Cristo?! Sou fraca em religião ... (desculpa número três).
E se é que isto serve de desculpa, aqui vai a número quatro: Janine, tal como muitos outros inquiridos, não está num curso de Teologia, nem de Artes.
Mas Bruno Marques, 18 anos, no 1.º ano de Ciências da Cultura na Faculdade de Letras, escorrega num tema que deveria dominar.
– Quem é Manoel de Oliveira?
– Já ouvi falar, mas não sei quem é.
– Estás em Ciências da Cultura. Dás Cinema?
– Sim, algumas coisinhas, mas não sei...
Pedro Besugo, 18 anos, estreante no curso de Turismo da Lusófona, admite não saber qual é a capital de Itália. Perante a insistência da SÁBADO (“Então estás a tirar Turismo e não sabes?”), responde: “Será Florença?” Não é. Como também não é Veneza, nem Milão ou Nápoles, como outros responderam.
Não saber quem pintou a Capela Sistina ou Mona Lisa (um aluno responde Miguel Arcanjo; outro Leonardo di Caprio) é igualmente grave. Talvez não tanto como pensar que África é um país da América do Sul ou não fazer ideia do que é um alpendre. Mas Cátia Palhinhas, do reality show Casa dos Segredos2, autora destas e de outras respostas, que põem o público a rir, não frequenta o ensino superior – é auxiliar de acção médica e está a tirar o 12.º ano à noite no programa Novas Oportunidades.
Aos 22 anos, sonha tornar-se “conhecida e vencer na televisão”. Por isso, não está nada preocupada em saber qual o maior mamífero do mundo – “É o dinossauro!”, disse há umas semanas.
Há universitários que respondem “mamute” à mesma questão. Catarina, 20 anos, aluna de Psicologia do ISPA, fica na dúvida: “É o elefante. É o mamute. É o elefante. Acho que é o elefante. O elefante é de África e o mamute da Antárctida”.
Por André Barbosa e Tânia Pereirinha e imagem de Joana Mouta e Bruno Vaz.
In Revista Sábado
16-11-2011
Enquanto Portugal se ri da auxiliar de acção médica concorrente da Casa dos Segredos, que julga que África é um país da América do Sul, a SÁBADO fez um teste básico a 100 alunos de universidades de Lisboa.
Ana Amaro, de 18 anos, que frequenta a licenciatura com o mestrado integrado em Psicologia do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), está a fumar à porta da faculdade, em Alfama. Aceita participar no teste de cultura geral da SÁBADO (20 perguntas, divididas por dois questionários de 10, ambos com um grau de dificuldade mínimo), mas está mais preocupada em acabar o cigarro. À quinta questão (qual é a capital dos Estados Unidos?), começa a atrapalhar-se. “Estados Unidos...? A esta hora é muita mau”, queixa-se. Não são 7h, são 13h30, e os colegas começam a sair para o almoço. Mas Ana parece ter acordado há 10 minutos, suspeita que a própria confirma.
A partir daí, é sempre a cair.
Não sabe quem escreveu O Evangelho Segundo Jesus Cristo, quem fundou a Microsoft, quem é Maria João Pires nem que instrumento toca. E não parece preocupada. Afinal, acabou de acordar.
“Não dei isso no 12.º ano”, “Cinema não é comigo”, “Não me dou bem com a literatura” – na arte de justificar a ignorância, os estudantes universitários inquiridos pela SÁBADO têm nota máxima. “Se perguntasse alguma coisa de psicologia, agora cultura geral...”, diz Janine Pinto, optando pela desculpa número um.
– Quem pintou o tecto da Capela Sistina?
– Ai, agora... Tudo o que tem a ver com capelas e igrejas não sei (desculpa número dois dos universitários).
– E quem escreveu O Evangelho Segundo Jesus Cristo?
– Eh pá! Coisas com Jesus Cristo?! Sou fraca em religião ... (desculpa número três).
E se é que isto serve de desculpa, aqui vai a número quatro: Janine, tal como muitos outros inquiridos, não está num curso de Teologia, nem de Artes.
Mas Bruno Marques, 18 anos, no 1.º ano de Ciências da Cultura na Faculdade de Letras, escorrega num tema que deveria dominar.
– Quem é Manoel de Oliveira?
– Já ouvi falar, mas não sei quem é.
– Estás em Ciências da Cultura. Dás Cinema?
– Sim, algumas coisinhas, mas não sei...
Pedro Besugo, 18 anos, estreante no curso de Turismo da Lusófona, admite não saber qual é a capital de Itália. Perante a insistência da SÁBADO (“Então estás a tirar Turismo e não sabes?”), responde: “Será Florença?” Não é. Como também não é Veneza, nem Milão ou Nápoles, como outros responderam.
Não saber quem pintou a Capela Sistina ou Mona Lisa (um aluno responde Miguel Arcanjo; outro Leonardo di Caprio) é igualmente grave. Talvez não tanto como pensar que África é um país da América do Sul ou não fazer ideia do que é um alpendre. Mas Cátia Palhinhas, do reality show Casa dos Segredos2, autora destas e de outras respostas, que põem o público a rir, não frequenta o ensino superior – é auxiliar de acção médica e está a tirar o 12.º ano à noite no programa Novas Oportunidades.
Aos 22 anos, sonha tornar-se “conhecida e vencer na televisão”. Por isso, não está nada preocupada em saber qual o maior mamífero do mundo – “É o dinossauro!”, disse há umas semanas.
Há universitários que respondem “mamute” à mesma questão. Catarina, 20 anos, aluna de Psicologia do ISPA, fica na dúvida: “É o elefante. É o mamute. É o elefante. Acho que é o elefante. O elefante é de África e o mamute da Antárctida”.
Por André Barbosa e Tânia Pereirinha e imagem de Joana Mouta e Bruno Vaz.
In Revista Sábado
terça-feira, 15 de novembro de 2011
Eugénio, sempre
Carlos Torres Figueiredo vence Prémio de Poesia Eugénio de Andrade
O volume “A Criança que Ri.” valeu a Carlos Torres Figueiredo – um nome até agora desconhecido no mundo literário – o Prémio de Poesia Eugénio de Andrade, lançado este ano pelo editor portuense José da Cruz Santos e pela chancela Modo de Ler.
Esta primeira edição do prémio teve um júri presidido por Luís Adriano Carlos, em representação da Modo de Ler, e incluiu também Inês Lourenço, Jorge Sousa Braga, José Manuel Mendes, Miguel Moura (em representação da família herdeira de Eugénio de Andrade) e Luís Miguel Queirós.
O júri escolheu “A Criança que Ri.” por unanimidade, de um conjunto de cerca de meia centena de obras enviadas a concurso.
O prémio – no valor de 10 mil euros e com o patrocínio do BPI, da Rosto Editora e dos herdeiros de Eugénio de Andrade – vai ser entregue a Carlos Torres Figueiredo numa cerimónia pública a realizar no Porto a 19 de Janeiro de 2012, dia do nascimento do poeta de “As Mãos e os Frutos”.
Está previsto que o Prémio de Poesia Eugénio de Andrade tenha periodicidade bienal.
In Público de 12.11.2011
O volume “A Criança que Ri.” valeu a Carlos Torres Figueiredo – um nome até agora desconhecido no mundo literário – o Prémio de Poesia Eugénio de Andrade, lançado este ano pelo editor portuense José da Cruz Santos e pela chancela Modo de Ler.
Esta primeira edição do prémio teve um júri presidido por Luís Adriano Carlos, em representação da Modo de Ler, e incluiu também Inês Lourenço, Jorge Sousa Braga, José Manuel Mendes, Miguel Moura (em representação da família herdeira de Eugénio de Andrade) e Luís Miguel Queirós.
O júri escolheu “A Criança que Ri.” por unanimidade, de um conjunto de cerca de meia centena de obras enviadas a concurso.
O prémio – no valor de 10 mil euros e com o patrocínio do BPI, da Rosto Editora e dos herdeiros de Eugénio de Andrade – vai ser entregue a Carlos Torres Figueiredo numa cerimónia pública a realizar no Porto a 19 de Janeiro de 2012, dia do nascimento do poeta de “As Mãos e os Frutos”.
Está previsto que o Prémio de Poesia Eugénio de Andrade tenha periodicidade bienal.
In Público de 12.11.2011
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
"O medo da Democracia"
Bastou o primeiro-ministro grego anunciar que consultará o povo, através de referendo, sobre as novas e gravosas medidas de austeridade e perda total da soberania orçamental impostas ao país pelos "mercados" e seus comissários políticos em Bruxelas e nos governos de Berlim e Paris para cair a máscara democrática desta gente.
Na pátria da Democracia, o Governo decide-se por um processo democrático básico e Sarkozy fica "consternado" e considera a decisão "irracional" enquanto alemães e FMI se mostram "irritados" e "furiosos" com ela. E Merkel e Sarkozy assinam um comunicado conjunto dizendo-se "determinados" a fazer com que a Grécia cumpra as suas imposições e lhes ceda o que ainda lhe resta de soberania; só lhes faltou acrescentar "queiram os gregos ou não queiram" e mobilizar a Wehrmacht e a "Force de Frappe"...
Até Paulo Portas, ministro de uma coligação eleita com base em compromissos eleitorais imediatamente rasgados mal tomou posse, está "apreensivo".
O medo que esta gente, que tanto fala em Democracia, tem da Democracia é assustador. Aparentemente, o projecto de suspensão da Democracia por 6 meses (ou por 48 anos) estará já em curso. Pinochet aplicou no Chile as receitas de Milton Friedman suspendendo sangrentamente a Democracia. Como é que "boys" de Chicago como Gaspar ou Santos Pereira, que chegaram a ministros sem nunca antes terem governado sequer uma mercearia, o fariam em Democracia?
Manuel António Pina in JN 2 de Novembro de 2011
sábado, 29 de outubro de 2011
O desenvolvimento do subdesenvolvimento
por Boaventura Sousa Santos
Está em curso o processo de subdesenvolvimento do País. As medidas que o anunciam, longe de serem transitórias, são estruturantes e os seus efeitos vão sentir-se por décadas. As crises criam oportunidades para redistribuir riqueza. Consoante as forças políticas que as controlam, a redistribuição irá num sentido ou noutro. Imaginemos que a redução de 15% do rendimento aplicada aos funcionários públicos, por via do corte dos subsídios de Natal e de férias, era aplicada às grandes fortunas, a Américo Amorim, Alexandre Soares dos Santos, Belmiro de Azevedo, famílias Mello, etc. Recolher-se-ia muito mais dinheiro e afetar-se-ia imensamente menos o bem-estar dos portugueses. À partida, a invocação de uma emergência nacional aponta para sacrifícios extraordinários que devem ser impostos aos que estão em melhores condições de os suportar. Por isso se convocam os jovens para a guerra, e não os velhos. Não estariam os superricos em melhores condições de responder à emergência nacional?
Esta é uma das perplexidades que leva os indignados a manifestarem-se nas ruas. Mas há muito mais. Perguntam-se muitos cidadãos: as medidas de austeridade vão dar resultado e permitir ver luz ao fundo do túnel daqui a dois anos? Suspeitam que não porque, para além de irem conhecendo a tragédia grega, vão sabendo que as receitas do FMI, agora adotadas pela UE, não deram resultado em nenhum país em que foram aplicadas - do México à Tanzânia, da Indonésia à Argentina, do Brasil ao Equador - e terminaram sempre em desobediência e desastre social e económico. Quanto mais cedo a desobediência, menor o desastre.
Em todos esses países foi sempre usado o argumento do desvio das contas superior ao previsto para justificar cortes mais drásticos. Como é possível que as forças políticas não saibam isto e não se perguntem por que é que o FMI, apesar de ter sido criado para regular as contas dos países subdesenvolvidos, tenha sido expulso de quase todos eles e os seus créditos se confinem hoje à Europa. Porquê a cegueira do FMI e por que é que a UE a segue cegamente? O FMI é um clube de credores dominado por meia dúzia de instituições financeiras, à frente das quais a Goldman Sachs, que pretendem manter os países endividados a fim de poderem extorquir deles as suas riquezas e de fazê-lo nas melhores condições, sob a forma de pagamento de juros extorsionários e das privatizações das empresas públicas vendidas sob pressão a preços de saldo, empresas que acabam por cair nas mãos das multinacionais que atuam à sua sombra.
Assim, a privatização da água pode cair nas mãos de uma subsidiária da Bechtel (tal como aconteceu em Cochabamba, após a intervenção do FMI na Bolívia), e destinos semelhantes terão a privatização da TAP, dos Correios ou da RTP. O back-office do FMI são os representantes de multinacionais que, quais abutres, esperam que as presas lhes caiam nas mãos. Como há que tirar lições mesmo do mais lúgubre evento, os europeus do Sul suspeitam hoje, por dura experiência, quanta pilhagem não terão sofrido os países ditos do Terceiro Mundo sob a cruel fachada da ajuda ao desenvolvimento.
Mas a maior perplexidade dos cidadãos indignados reside na pergunta:
que democracia é esta que transforma um ato de rendição numa afirmação dramática de coragem em nome do bem comum?
É uma democracia pós-institucional, quer porque quem controla as instituições as subverte (instituições criadas para obedecer aos cidadãos passam a obedecer a banqueiros e mercados) quer porque os cidadãos vão reconhecendo, à medida que passam da resignação e do choque à indignação e à revolta, que esta forma de democracia partidocrática está esgotada e deve ser substituída por uma outra mais deliberativa e participativa, com partidos mas pós-partidária, que blinde o Estado contra os mercados, e os cidadãos contra o autoritarismo estatal e não estatal. Está aberto um novo processo constituinte. A reivindicação de uma nova Assembleia Constituinte, com forte participação popular, não deverá tardar.
Está em curso o processo de subdesenvolvimento do País. As medidas que o anunciam, longe de serem transitórias, são estruturantes e os seus efeitos vão sentir-se por décadas. As crises criam oportunidades para redistribuir riqueza. Consoante as forças políticas que as controlam, a redistribuição irá num sentido ou noutro. Imaginemos que a redução de 15% do rendimento aplicada aos funcionários públicos, por via do corte dos subsídios de Natal e de férias, era aplicada às grandes fortunas, a Américo Amorim, Alexandre Soares dos Santos, Belmiro de Azevedo, famílias Mello, etc. Recolher-se-ia muito mais dinheiro e afetar-se-ia imensamente menos o bem-estar dos portugueses. À partida, a invocação de uma emergência nacional aponta para sacrifícios extraordinários que devem ser impostos aos que estão em melhores condições de os suportar. Por isso se convocam os jovens para a guerra, e não os velhos. Não estariam os superricos em melhores condições de responder à emergência nacional?
Esta é uma das perplexidades que leva os indignados a manifestarem-se nas ruas. Mas há muito mais. Perguntam-se muitos cidadãos: as medidas de austeridade vão dar resultado e permitir ver luz ao fundo do túnel daqui a dois anos? Suspeitam que não porque, para além de irem conhecendo a tragédia grega, vão sabendo que as receitas do FMI, agora adotadas pela UE, não deram resultado em nenhum país em que foram aplicadas - do México à Tanzânia, da Indonésia à Argentina, do Brasil ao Equador - e terminaram sempre em desobediência e desastre social e económico. Quanto mais cedo a desobediência, menor o desastre.
Em todos esses países foi sempre usado o argumento do desvio das contas superior ao previsto para justificar cortes mais drásticos. Como é possível que as forças políticas não saibam isto e não se perguntem por que é que o FMI, apesar de ter sido criado para regular as contas dos países subdesenvolvidos, tenha sido expulso de quase todos eles e os seus créditos se confinem hoje à Europa. Porquê a cegueira do FMI e por que é que a UE a segue cegamente? O FMI é um clube de credores dominado por meia dúzia de instituições financeiras, à frente das quais a Goldman Sachs, que pretendem manter os países endividados a fim de poderem extorquir deles as suas riquezas e de fazê-lo nas melhores condições, sob a forma de pagamento de juros extorsionários e das privatizações das empresas públicas vendidas sob pressão a preços de saldo, empresas que acabam por cair nas mãos das multinacionais que atuam à sua sombra.
Assim, a privatização da água pode cair nas mãos de uma subsidiária da Bechtel (tal como aconteceu em Cochabamba, após a intervenção do FMI na Bolívia), e destinos semelhantes terão a privatização da TAP, dos Correios ou da RTP. O back-office do FMI são os representantes de multinacionais que, quais abutres, esperam que as presas lhes caiam nas mãos. Como há que tirar lições mesmo do mais lúgubre evento, os europeus do Sul suspeitam hoje, por dura experiência, quanta pilhagem não terão sofrido os países ditos do Terceiro Mundo sob a cruel fachada da ajuda ao desenvolvimento.
Mas a maior perplexidade dos cidadãos indignados reside na pergunta:
que democracia é esta que transforma um ato de rendição numa afirmação dramática de coragem em nome do bem comum?
É uma democracia pós-institucional, quer porque quem controla as instituições as subverte (instituições criadas para obedecer aos cidadãos passam a obedecer a banqueiros e mercados) quer porque os cidadãos vão reconhecendo, à medida que passam da resignação e do choque à indignação e à revolta, que esta forma de democracia partidocrática está esgotada e deve ser substituída por uma outra mais deliberativa e participativa, com partidos mas pós-partidária, que blinde o Estado contra os mercados, e os cidadãos contra o autoritarismo estatal e não estatal. Está aberto um novo processo constituinte. A reivindicação de uma nova Assembleia Constituinte, com forte participação popular, não deverá tardar.
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a puta da vida...
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
Marco Aurélio (121 - 180)
«Quando andares à procura de uma mão para te valer, lembra-te que tens uma no extremo do teu braço».
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
Tomas Tranströmer, poeta
este é o Nobel da Literatura de 2011:
A ÁRVORE E A NUVEM
Uma árvore anda de aqui para ali sob a chuva,
com pressa, ante nós, derramando-se na cinza.
Leva um recado. Da chuva arranca vida
como um melro ante um jardim de fruta.
Quando a chuva cessa, detém-se a árvore.
Vislumbramo-la direita, quieta em noites claras,
à espera, como nós, do instante
em que flocos de neve floresçam no espaço.
(1962)
DESDE A MONTANHA
Estou na montanha e vejo a enseada.
Os barcos descansam sobre a superfície do verão.
«Somos sonâmbulos. Luas vagabundas.»
Isso dizem as velas brancas.
«Deslizamos por uma casa adormecida.
Abrimos as portas lentamente.
Assomamo-nos à liberdade.»
Isso dizem as velas brancas.
Um dia vi navegar os desejos do mundo.
Todos, no mesmo rumo – uma só frota.
«Agora estamos dispersos. Séquito de ninguém.»
Isso dizem as velas brancas.
(1962)
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