terça-feira, 6 de setembro de 2011




AGUENTA-TE COM ESTA


Talvez se mostrem no café da aldeia
a meio da tarde
as raparigas da cidade,
o longo cabelo a vedar-lhes
o rosto ensonado,
a pele branca correndo
sob as alças da blusa
ou feita navalha debaixo da mesa.
Mas tu não terás palavras, rapaz,
mesmo de calças novas
e camisa lavada,
pois tuas costas semelham
sacos de batatas
e no extremo de teus braços
encaixam lâminas de enxada.
Ficarás encostado ao balcão
armado em muro prestes a ruir.

Sairás por onde entraste,
fumador de SG filtro
cujo maço,
qual amachucada flor de lapela,
guardas no bolso da camisa.

Por cigarros vieste, os olhos
deitas em roda desarmados,
e dali disparas, metendo
pelo trilho que à treva desce.

RUI  LAGE
Um arraial português, p.30, Ed. Babel/Ulisseia
2011, abril.

Esclarece-nos o autor que «Os titulos dos poemas deste livro [..] são homónimos de titulos de canções da música ligeira portuguesa - ou de fragmentos das letras dessas canções - quase todas obrigatórias nos arraiais de verão um pouco por todo o país. [...]»

Escolhi este poema porque me parece que põe fortemente em evidência o desencontro de uma certa cultura jovem urbana e rural.

Esta poesia consegue com rara perícia vocabular e expressiva fazer uma interface inabitual entre esses dois mundos

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

«Quatro mulheres assassinadas em quatro dias». (JN)

Antes das manifestações das "galderices", é preciso pensar a sério em manifestações contra esta selvajaria, com que parece as mulheres mais "emancipadas" não se preocupam. Que tal uma manif. de «filhos e netos de mães e avós assassinadas pelos pais e avós»?

Suponho que poderia ter numerosos participantes e concitaria avergonha geral.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

TELHADOS DE VIDRO/15 - junho 2011


Castelo de Almourol



Outro perdido castelo – diria o adolescente
que fosse deixando para trás,
noutros e mais tristes lugares do Ribatejo.


Tenta não o ouvir, esta tarde.
O sol talvez doesse um pouco,
a morte continuava a espreitar-nos
de fresta em fresta, em cada muralha.


Mas havia um sorriso parado, entre piteiras,
foi bom voltar a comer fataça
e não existe nenhuma prova evidente
de que o barqueiro se chamasse Caronte.


Deu-nos, por meia hora, uma ilha
do nosso tamanho, a certeza do regresso
e aquela pedra solitária, a brilhar no rio.



Não parecia domingo, não houve deserto;
era uma tarde apenas, a encontrar-nos juntos.



Manuel de Freitas

Leonard Bernstein - 25 de Agosto de 1918, Nova Iorque - ( Outubro de 1990)

 West Side Story, studio-takes. (4)

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

«Mascarilhas e máscaras»



O legado de Sócrates para a cultura política nacional está aí à disposição de investigadores, jornalistas, intelectuais, fogareiros e meros curiosos para quem a cidadania em Portugal for parte essencial da sua identidade. Para o aproveitar é preciso abdicar dos juízos de valor ideológico e ousar a intenção da objectividade científica. Claro que será completamente legítimo fazer uma crítica a respeito dos pressupostos, modos e resultados da governação socialista sob um prisma ideológico, qualquer que ele seja. Não só legítima, essa análise seria também útil e bondosa – sendo apenas de lamentar que mal se tenha visto, tendo sido substituída pelos assassinatos de carácter no todo, à direita, e em grande parte, à esquerda. Se a oposição ao PS tivesse sido um confronto de ideias, de projectos e de talentos, Sócrates poderia ter à mesma perdido as eleições em 2011, ou logo em 2009, mas nós estaríamos agora muito melhor e os vencedores também. Mas não foi nada disso que se passou, pois não?

A conjugação de um Governo PS com a necessidade histórica de alterar sectores do Estado e da sociedade anquilosados, porque ineficientes ou ineficazes, provocaria sempre homéricas convulsões políticas. Essa reforma seria inevitavelmente catalogada como de direita pelo PCP e BE, recolhendo a anuência silenciosa, ou avulso protesto hipócrita, do PSD e CDS. E assim andámos enquanto não chegaram as crises sucessivas, nacionais e internacionais. Recorde-se que até aos começos de 2008 foram dadas provas de que Sócrates, apesar da maioria absoluta, podia ceder e aceitar derrotas: casos da candidatura de Soares às presidenciais de 2006, do novo aeroporto em Alcochete e da queda de Correia de Campos como exemplos maiores. Todavia, o movimento das placas tectónicas do Cavaquismo era imparável e estava disposto literalmente a tudo. Os mandantes das campanhas negras e das conspirações mediático-judiciais não tinham tempo, e muito menos cabeça, para estarem a desenvolver soluções políticas que fizessem sentido, nem das que lançavam se esperava que tivessem real ligação às aspirações dos portugueses. Tanto em 2009 como em 2011, o PSD andou sem programa eleitoral até quase ao dia das eleições, não tendo ele servido como matéria de discussão pública nem tendo sido factor de preferência eleitoral. O que havia a fazer era outra coisa, uma coisa que se faz há milhares de anos em qualquer sociedade onde pulhas e desesperados disputem o poder. Tratava-se de destruir aquele que os ameaçava fáctica e simbolicamente. E foi isto que fizeram:

- Mancharam o percurso escolar e profissional de Sócrates com insinuações e calúnias do foro moral e legal.

- Mancharam o exercício governativo de Sócrates com insinuações e calúnias do foro criminal.

- Mancharam a reputação de familiares de Sócrates com insinuações e calúnias várias.

- Tentaram criminalizar Sócrates a partir de escutas ilícitas e irrelevantes.

- Exploraram as fragilidades cognitivas da população, e as consequências das crises, para manterem um crescente estado de ódio contra Sócrates, Governo, PS ou qualquer um que lhes manifestasse publicamente o seu apoio.

- Usaram a Presidência da República, e o papel do Presidente da República, para o lançamento de uma conspiração mediática contra o Governo nas vésperas de dois actos eleitorais.

- Usaram as prerrogativas constitucionais do Presidente da República para a perversa transformação do seu papel institucional no de chefe da oposição a exigir a queda do Governo na própria Assembleia da República.

- Mantiveram o Governo minoritário apenas para o desgastar até ao momento que considerassem adequado para novas eleições, ao arrepio dos interesses nacionais.

- Denegriram Portugal internacionalmente ao longo de todo o processo de agravamento da crise das dívidas soberanas e dos mercados de financiamento.

Quem fez isto pertence à elite da direita triunfante (que também há uma direita derrotada, mas jamais vencida), não é a arraia-miúda dos jornais e da Internet. São portugueses como todos os outros, sim, embora com um conjunto de vantagens sociais que o centro e a esquerda não possuem. Naturalmente, velam pelos seus interesses, a sua riqueza, a sua família, o seu futuro. Não há nada de errado no que fazem, incluindo o modo como o fazem. Porque eles fazem tão-somente aquilo que sabem fazer, eles são isto: conspiradores furiosos, venenosos, tinhosos. Foi assim que subiram, uns, é assim que se mantêm, outros. E conhecem-se de ginjeira, por isso vivem num mundo de invejas, ressentimentos e vinganças.

Ora, toda esta gigantesca operação, um misto de ataque à outrance por parte de soberbos egos oligárquicos com maquinações de pormenor e longo fôlego planeadas no Palácio de Belém, não teria alcançado o seu objectivo não fosse a preciosa colaboração do BE e PCP, a que se juntou uma parte importante do PS. Estes puros da esquerda pura consideraram, alucinados, que era igual ter o País nas mãos do PS ou do PSD. E embora não se imaginassem a governar, pois ainda não estão totalmente desmiolados, só um objectivo os entusiasmava: derrubar Sócrates. A distorção da sua verrina era proporcional ao facciosismo que os cristalizava numa posição de mera resistência e boicote. Eles próprios não queriam negociar nada com o PS ou com Portugal, por isso faziam do adversário uma figura caricatural e monstruosa que lhes garantia a coerência mental da praxis.

A sucessão de transformações reformistas que se faziam desde 2005 no intento de provocar o menor dano social, e outras que eram investimentos fundamentais para a requalificação da sociedade e seus tecidos produtivos, nunca obtiveram qualquer reconhecimento por parte do BE e PCP. Pois é… se reconhecessem que o PS não era igual ao PSD, se aceitassem a possibilidade de aumentar a justiça social através de uma governação ao centro que atendesse ao maior número de cidadãos e seus díspares interesses, se admitissem que quem votou em Sócrates pela segunda vez não votou na direita mas contra ela, lá se ia a máscara que esconde um rosto de olhos vazos.

in Aspirina B

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

«CAÍ NO MUNDO E NÃO SEI COMO VOLTAR»

 O que acontece comigo é que não consigo andar pelo mundo pegando coisas e trocando-as pelo modelo seguinte só por que alguém adicionou uma nova função ou a diminuiu um pouco…

Não faz muito, com minha mulher, lavávamos as fraldas dos filhos, pendurávamos na corda junto com outras roupinhas, passávamos, dobrávamos e as preparávamos para que voltassem a serem sujadas.

E eles, nossos nenês, apenas cresceram e tiveram seus próprios filhos se encarregaram de atirar tudo fora, incluindo as fraldas. Se entregaram, inescrupulosamente, às descartáveis!

Sim, já sei. À nossa geração sempre foi difícil jogar fora. Nem os defeituosos conseguíamos descartar! E, assim, andamos pelas ruas, guardando o muco no lenço de tecido, de bolso.

Nããão! Eu não digo que isto era melhor. O que digo é que, em algum momento, me distraí, caí do mundo e, agora, não sei por onde se volta.

O mais provável é que o de agora esteja bem, isto não discuto. O que acontece é que não consigo trocar os instrumentos musicais uma vez por ano, o celular a cada três meses ou o monitor do computador por todas as novidades.

Guardo os copos descartáveis! Lavo as luvas de látex que eram para usar uma só vez.

Os talheres de plástico convivem com os de aço inoxidável na gaveta dos talheres! É que venho de um tempo em que as coisas eram compradas para toda a vida!

É mais! Se compravam para a vida dos que vinham depois! A gente herdava relógios de parede, jogos de copas, vasilhas e até bacias de louça.

E acontece que em nosso, nem tão longo matrimônio, tivemos mais cozinhas do que as que haviam em todo o bairro em minha infância, e trocamos de refrigerador três vezes.

Nos estão incomodando! Eu descobri! Fazem de propósito! Tudo se lasca, se gasta, se oxida, se quebra ou se consome em pouco tempo para que possamos trocar.

Nada se arruma. O obsoleto é de fábrica.

Aonde estão os sapateiros fazendo meia-solas dos tênis Nike? Alguém viu algum colchoeiro encordoando colchões, casa por casa? Quem arruma as facas elétricas? o afiador ou o eletricista? Haverá teflon para os funileiros ou assentos de aviões para os talabarteiros?

Tudo se joga fora, tudo se descarta e, entretanto, produzimos mais e mais e mais lixo. Outro dia, li que se produziu mais lixo nos últimos 40 anos que em toda a história da humanidade.

Quem tem menos de 30 anos não vai acreditar: quando eu era pequeno, pela minha casa não passava o caminhão que recolhe o lixo! Eu juro! E tenho menos de ... anos! Todos os descartáveis eram orgânicos e iam parar no galinheiro, aos patos ou aos coelhos (e não estou falando do século XVII). Não existia o plástico, nem o nylon. A borracha só víamos nas rodas dos autos e, as que não estavam rodando, as queimávamos na Festa de São João. Os poucos descartáveis que não eram comidos pelos animais, serviam de adubo ou se queimava..

Desse tempo venho eu. E não que tenha sido melhor.... É que não é fácil para uma pobre pessoa, que educaram com "guarde e guarde que alguma vez pode servir para alguma coisa", mudar para o "compre e jogue fora que já vem um novo modelo".

Troca-se de carro a cada 3 anos, no máximo, por que, caso contrário, és um pobretão. Ainda que o carro que tenhas esteja em bom estado... E precisamos viver endividados, eternamente, para pagar o novo!!! Mas... por amor de Deus!

Minha cabeça não resiste tanto. Agora, meus parentes e os filhos de meus amigos não só trocam de celular uma vez por semana, como, além disto, trocam o número, o endereço eletrônico e, até, o endereço real.

E a mim que me prepararam para viver com o mesmo número, a mesma mulher e o mesmo nome (e vá que era um nome para trocar). Me educaram para guardar tudo. Tuuuudo! O que servia e o que não servia. Por que, algum dia, as coisas poderiam voltar a servir.

Acreditávamos em tudo. Sim, já sei, tivemos um grande problema: nunca nos explicaram que coisas poderiam servir e que coisas não. E no afã de guardar (por que éramos de acreditar), guardávamos até o umbigo de nosso primeiro filho, o dente do segundo, os cadernos do jardim de infância e não sei como não guardamos o primeiro cocô.

Como querem que entenda a essa gente que se descarta de seu celular a poucos meses de o comprar? Será que quando as coisas são conseguidas tão facilmente, não se valorizam e se tornam descartáveis com a mesma facilidade com que foram conseguidas?

Em casa tínhamos um móvel com quatro gavetas. A primeira gaveta era para as toalhas de mesa e os panos de prato, a segunda para os talheres e a terceira e a quarta para tudo o que não fosse toalha ou talheres. E guardávamos...

Como guardávamos!! Tuuuudo!!! Guardávamos as tampinhas dos refrescos!! Como, para quê? Fazíamos limpadores de calçadas, para colocar diante da porta para tirar o barro. Dobradas e enganchadas numa corda, se tornavam cortinas para os bares. Ao fim das aulas, lhes tirávamos a cortiça, as martelávamos e as pregávamos em uma tabuinha para fazer instrumentos para a festa de fim de ano da escola.

Tudo guardávamos! Enquanto o mundo espremia o cérebro para inventar acendedores descartáveis ao término de seu tempo, inventávamos a recarga para acendedores descartáveis. E as Gillette até partidas ao meio se transformavam em apontadores por todo o tempo escolar. E nossas gavetas guardavam as chavezinhas das latas de sardinhas ou de corned-beef, na possibilidade de que alguma lata viesse sem sua chave.

E as pilhas! As pilhas das primeiras Spica passavam do congelador ao telhado da casa. Por que não sabíamos bem se se devia dar calor ou frio para que durassem um pouco mais. Não nos resignávamos que terminasse sua vida útil, não podíamos acreditar que algo vivesse menos que um jasmim. As coisas não eram descartáveis. Eram guardáveis.

Os jornais!!! Serviam para tudo: para servir de forro para as botas de borracha, para por no piso nos dias de chuva e por sobre todas as coisa para enrolar.

Às vezes sabíamos alguma notícia lendo o jornal tirado de um pedaço de carne!!! E guardávamos o papel de alumínio dos chocolates e dos cigarros para fazer guias de enfeites de natal, e as páginas dos almanaques para fazer quadros, e os conta-gotas dos remédios para algum medicamento que não o trouxesse, e os fósforos usados por que podíamos acender uma boca de fogão (Volcán era a marca de um fogão que funcionava com gás de querosene) desde outra que estivesse acesa, e as caixas de sapatos se transformavam nos primeiros álbuns de fotos e os baralhos se reutilizavam, mesmo que faltasse alguma carta, com a inscrição a mão em um valete de espada que dizia "esta é um 4 de bastos".

As gavetas guardavam pedaços esquerdos de prendedores de roupa e o ganchinho de metal. Ao tempo esperavam somente pedaços direitos que esperavam a sua outra metade, para voltar outra vez a ser um prendedor completo.

Eu sei o que nos acontecia: nos custava muito declarar a morte de nossos objetos. Assim como hoje as novas gerações decidem matá-los tão-logo aparentem deixar de ser úteis, aqueles tempos eram de não se declarar nada morto: nem a Walt Disney!!!

E quando nos venderam sorvetes em copinhos, cuja tampa se convertia em base, e nos disseram: Comam o sorvete e depois joguem o copinho fora, nós dizíamos que sim, mas, imagina que a tirávamos fora!!! As colocávamos a viver na estante dos copos e das taças. As latas de ervilhas e de pêssegos se transformavam em vasos e até telefones. As primeiras garrafas de plástico se transformaram em enfeites de duvidosa beleza. As caixas de ovos se converteram em depósitos de aquarelas, as tampas de garrafões em cinzeiros, as primeiras latas de cerveja em porta-lápis e as cortiças esperaram encontrar-se com uma garrafa.

E me mordo para não fazer um paralelo entre os valores que se descartam e os que preservávamos. Ah!!! Não vou fazer!!!

Morro por dizer que hoje não só os eletrodomésticos são descartáveis; também o matrimônio e até a amizade são descartáveis. Mas não cometerei a imprudência de comparar objetos com pessoas.

Me mordo para não falar da identidade que se vai perdendo, da memória coletiva que se vai descartando, do passado efêmero. Não vou fazer.

Não vou misturar os temas, não vou dizer que ao eterno tornaram caduco e ao caduco fizeram eterno.

Não vou dizer que aos velhos se declara a morte apenas começam a falhar em suas funções, que aos cônjuges se trocam por modelos mais novos, que as pessoas a que lhes falta alguma função se discrimina o que se valoriza aos mais bonitos, com brilhos, com brilhantina no cabelo e glamour.

Esta só é uma crônica que fala de fraldas e de celulares. Do contrário, se misturariam as coisas, teria que pensar seriamente em entregar à bruxa, como parte do pagamento de uma senhora com menos quilômetros e alguma função nova. Mas, como sou lento para transitar este mundo da reposição e corro o risco de que a bruxa me ganhe a mão e seja eu o entregue...

Eduardo Galeano 

(Jornalista e escritor uruguaio)


quarta-feira, 27 de julho de 2011

Estercos e Ingenuidades Estivais

por cá e pelo restante habitáculo terrestre, os motivos de perplexidade multiplicam-se.

Desenrolam-se os costumeiros fogos florestais, que há quem diga são encomendados pela "indústria dos fogos". As personagens governamentais sãode uma mediocridade e impúdica matreirice, que nos assalta uma espécie de saudade de Sócrates, da sua dignidade e consistência, pirante a torva malevolência que orquestrou a ingénua e ignorante irresponsabilidade de muitos portugueses.

A morte jovem de cantantes pop, corroídos pelas drogas e pelo álcool, começa a ser um lugar-comum; e o facto de lhe serem dedicadas tantas jaculatórias, é já de uma rotineirice tanatológica. O talento lançado na sarjeta dos estupefacientes deveria causar alergia e não panegíricos de comovente lembrança. Os grandes heróis e heroínas deste mundo, são as pessoas que fazem quotidianamente um enorme esforço para existir, por diferentes motivos ( sociais, de saúde, económicos, étnicos, etc ).

O caso do norueguês psicopata, filiado na Extrema Direita e na Maçonaria, pelo menos, demonstra como as Instituições albergam toda a casta de malvados. Não basta reclamar-se "da verdade, fraternidade, humanismo".
A fézada das irmandades não vê mais...

quarta-feira, 13 de julho de 2011

"nihil sub solo novum"

«Quando, em Abril de 1945, a paz pairou sobre a Europa, depois de os Aliados terem derrotado a Alemanha nazi e a Itália fascista, qual era o panorama que se podia ver no Velho Continente e nos EUA?


Na Europa, era tanta a fome na Alemanha, na Áustria, na Itália, como na vitoriosa Grã-Bretanha ou na desocupada França e na mártir Bélgica. A fome estendia-se, também, aos países neutros como Portugal e Espanha. Os circuitos produtivos estavam completamente destruídos e as correntes comerciais eram quase inexistentes. Milhões de desalojados deambulavam de um lado para o outro à procura das suas antigas raízes. Era dantescamente um caos. Em contrapartida, nos EUA, pesem embora as elevadíssimas perdas de vida entre a juventude americana, não havia desemprego, a economia era florescente, as fábricas trabalhavam a bom ritmo e produziam em abundância.

Este cenário era magnífico para os americanos e péssimo para os europeus. Mas o que interessa uma economia florescente se não puder expandir-se? Rigorosamente nada, porque transporta no seu seio o feto da crise. Uma crise que, mais tarde ou mais cedo, estalará em função da retracção que se irá verificar no mercado interno por estar saturado. Assim, interessa expandir-se, abrir-se ao exterior, para continuar a fazer crescer a produção, as vendas, o emprego e o rendimento das famílias e o lucro dos capitais.

Isto mesmo percebeu George Marshall, Secretário de Estado dos EUA, que propôs uma ajuda financeira à Europa, para recuperação da máquina produtiva. Claro que a ajuda saía por um lado, mas o retorno fazia-se por outro, na medida em que o Velho Continente passou a ser um excelente comprador dos produtos americanos. Isso permitiu, de facto, a recuperação europeia, mas uma recuperação dependente dos EUA que se concretizou melhor e mais eficientemente na imediata criação da OTAN ou NATO.

O progresso europeu foi tal que, uma dezena de anos após a guerra, vivia-se por cá um boom económico muito significativo. Ao romper a década de 60 do século passado a Europa tinha recuperado e estava a lançar as bases da Comunidade Económica Europeia (CEE). Era o nascer de uma nova temporada. Uma temporada que veio desembocar na União Europeia e na moeda única, o Euro. De repente (duas dezenas de anos em História é um curto lapso de tempo), aquilo que começou por ser um plano para manter os altos padrões de produção e de consumo da economia dos EUA tornou-se numa ameaça série à economia americana. A palavra de ordem, depois da última crise económica dos EUA, foi simples: destrua-se o Euro, destruindo, se necessário for, a Europa. E por onde se inicia essa destruição? Pelos flancos mais frágeis: Grécia, Portugal e Irlanda, passando, depois aos restantes. E até onde se pode e deve ir? Até que a Europa fique, sem nela rebentar uma bomba, tal e qual como estava em 1945, ou seja, com os circuitos económicos todos destruídos. Para quê? Para que os EUA possam, uma vez mais, desenvolver um qualquer programa de auxílio semelhante ao plano Marshall. Um plano que auxilia mais quem o dá do que quem o recebe.

Só não vê quem não quer ver! A História dá as lições… é necessário saber interpretá-las! Esse era (é) o motivo porque nas Academias Militares se ensinava (ensina) História militar, pois, os campos de batalha podem variar e mudar os intervenientes, mas não mudam as táctica nem as estratégias… Alteram-se em função da tecnologia, nada mais! Infelizmente, não há academias para formar os políticos… Assim, poderiam estudar História e saber que nihil sub solo novum.»


Luís Alves de Fraga (*)


(*) É diplomado pela Academia Militar (1965), licenciado em Ciências Político-Sociais pelo ISCSP –UTL – 1977, mestre em Estratégia – ISCSP – 1991 e doutor em História pela Universidade Autónoma de Lisboa – 2009. Antigo professor efectivo titular do Instituto de Altos Estudos da Força Aérea (1981/85), antigo professor efectivo da Academia da Força Aérea (1985/96), é professor auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa desde 1992. É membro do Conselho Científico da Comissão Portuguesa de História Militar.


domingo, 3 de julho de 2011

Ana Paula Inácio



O poeta carreirista

está sempre a morrer nos poemas

de cancro do pulmão ou cirrose hepática

mas na verdade cuida da sua obra (e do respectivo autor)

data-a e arquiva-a minuciosamente

trava mesmo amizade com uma bibliotecária

que o auxilia em braile

não vá acontecer-lhe

como o Camilo

frequenta o ginásio,

masca Trident Senses

e milita nos partidos certos.

O poeta carreirista já nasceu poeta

foi bem orientado desde pequeno

inscrevendo-se na Associação Portuguesa de Autores

mesmo sem obra publicada

não fosse alguém roubar-lhe a ideia

dorme com um olho aberto outro fechado

- nos poemas lê-se insónia –

e namora rapariga letrada

embora aos 35 sofra uma crise de orientação sexual

e aos 40 tente uma escrita erótica mais abrangente

a manquejar Sena e a farejar alguns espanhóis.

O poeta carreirista não bebe cerveja

mas vinho tinto do Alentejo

abre às vezes excepções e acompanha-a com

tremoços ou caracóis.

O poeta carreirista vai a tudo

rádio, TV e revistas,

coquetterie fina

e instala-se, de preferência, na capital.



Acrobacias

sentados em Trafalgar Square

no intervalo de amigos

com o tempo entre mãos

treinávamos o inglês

num inquérito de revista

com Francis Bacon na capa

que perguntava:

qual dos membros

- superiores ou inferiores –

preferíamos perder

(esta ablação em língua estrangeira

torna-se indolor, quase anestesiada)

respondeste: os braços

as pernas conservá-las-ia

como a liberdade de poder andar

respondi: as pernas

não queria ver-me

impedida de abraçar.

Assim juntando as nossas

perdas

eu abraço-me a ti

e peço-te anda, mostra-me o mundo

e quando nos cansarmos

abraçar-me-ás, então, com as pernas

e eu

andarei com os braços.

 
ANA PAULA INÁCIO
 
in «2010 - 2011»
 
Edições AVERNO, 2011.