quinta-feira, 29 de março de 2012
OUÇAM-NOS
Temos muitos nomes
temos muitos nomes em todo o mundo
tantos
E temos rosto
e palavras
que às vezes calamos
ou criam raízes nodosas nos nossos corpos
ou guardamos nos corações dos nossos filhos
mas
de outras vezes
estilhaçam a barriga peçonhenta da mentira
ou são claridade
espalham pequenas sementes
palavras novas
Qualquer mulher é mãe
a primeira
ou a última
do mundo
Não desejámos
que tivesse sido sangrenta
a primeia ferida
aberta do nosso corpo
Por nós
em nós
entraram
a primeira luz do mundo
e o negrume dos seres nascidos das sombras
O nosso ventre
quente de terra
é mundo aberto ao mundo
Do escuro
quente
das nossas entranhas
sai luz a jorros
odores inebriantes
de vida
sal
e espuma
e sangue
e água
de vida
Somos
somos corpos
com a sabedoria
do amor
somos amor
antes e depois
de todos os deuses
antes e depois
de haver
homens
e plantas
e peixes
Inventamos canções
quando um corpo sabe
dar-se em nós
inventamos mares
quando dois corpos
se erguem divinamente
oferecemos o nosso sal
inesgotável
e sorrimos como ninguém
Somos fortes como montanhas
mas às vezes
parecemos ceder
como toalhas velhas de linho
à força dos brutos
mas um dia
havemos de dizer
basta
aos anjos negros
Temos a sabedoria
de sermos assim
nem deusas
nem génios
incompletas
vigilantes do mundo
ou do que resta dele
Alguns seres
vestidos de sombras
querem dar-nos
prazo de validade
e dizem-nos:
"Mulheres
acabou o tempo da claridade"
E querem rasgar-nos os ventres
e entregar meninas e meninos
à madrasta do dever cego
querem vergar-nos
os malditos anjos negros
Esses seres não-nascidos
não sabem
que nós somos a longa paciência do mundo
os olhos que vêem para além das estrelas
um barco levantado em direcção ao princípio
Sabemos
dizer não
o sim da obediência
só o terão de nós
rasgando-nos os lábios
e fechando-nos os ventres
Mas
se isso acontecesse
o mundo deixaria de ser mundo
Não
a luz é mais forte
Os nossos corpos
largos
sempre
hão-de ser
mundo
Ouçam as nossas vozes
são vozes
de todas nós
Às vezes somos apenas
em corpos doridos
e em almas apagadas
mas somos sempre nós
vivas
Ouçam-nos.
Carlos Alberto Machado, CORPOS, azulcobalto, Lajes do Pico, 2011.
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