quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

José Ángel Cilleruelo

PRESENTACIÓN DE BARCELONA 08009

Cómo se aburriría entre nosotros
Rimbaud. Sin su melena, su pipa,
sin un talud al borde del caminho
donde echarse a dormir, nos saludamos.

Oficia el viejo sacerdote, ateo
por desmemoria, de la poesía.
Café del Centro, calle de Girona
sesenta y nueve. Junio ensucia y afea.

Qué nos haría hermanos de Rimbaud?
Envejecemos muy despacio, en calma.
Nadie nos amenaza en el asilo

de malos editores y ninguna
reseña. Pero nos queremos mucho,
porque, muerto Rimbaud, no queda vida.

in MALEZA (Cilclo completo 1990-2010), pág. 204
HUACANAMO, Barcelona.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Avacalhamentos

     Há algumas diferenças entre boçalidades e vernáculo. No programa de entretenimento, de uma das nossas estações televisivas, a famigerada "Casa dos Segredos", só da mais repelente boçalidade se trata. Sim, porque umas vernáculas caralhadas ou exclamativos "foda-se", usam-se na melhor literatura. Mas, aquela insistência badalhoca de falar constantemente em "por cima e por baixo", se os concorrentes estão, ó suprema epifania, encaixar-se debaixo dos edredons é de vómitos, reduzindo as pessoas a microcéfalos apenas com existência da cinta para baixo. Recuso-me a admitir, que aquela gentinha rasca, tem alguma coisa a haver com uma desejável juventude portuguesa. Engalanar os corpos, bem despidinhos e depilados, sem cuidar de outras características do humano é uma orientação horrenda e condenável, sobretudo se se trata de um programa de larga audiência, visto por pré-adolescentes e crianças.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

7 de Janeiro de 1355

Faz hoje 658 anos que foi

executada Inês de Castro

por ordem de Dom Afonso IV




Episódio da linda Inês


Passada esta tão próspera vitória,

Tornado Afonso à Lusitana Terra,

A se lograr da paz com tanta glória

Quanta soube ganhar na dura guerra,

O caso triste e dino da memória,

Que do sepulcro os homens desenterra,

Aconteceu da mísera e mesquinha

Que despois de ser morta foi Rainha.



Tu, só tu, puro amor, com força crua,

Que os corações humanos tanto obriga,

Deste causa à molesta morte sua,

Como se fora pérfida inimiga.

Se dizem, fero Amor, que a sede tua

Nem com lágrimas tristes se mitiga,

É porque queres, áspero e tirano,

Tuas aras banhar em sangue humano.



Estavas, linda Inês, posta em sossego,

De teus anos colhendo doce fruito,

Naquele engano da alma, ledo e cego,

Que a fortuna não deixa durar muito,

Nos saudosos campos do Mondego,

De teus fermosos olhos nunca enxuito,

Aos montes insinando e às ervinhas

O nome que no peito escrito tinhas.



Do teu Príncipe ali te respondiam

As lembranças que na alma lhe moravam,

Que sempre ante seus olhos te traziam,

Quando dos teus fernosos se apartavam;

De noite, em doces sonhos que mentiam,

De dia, em pensamentos que voavam;

E quanto, enfim, cuidava e quanto via

Eram tudo memórias de alegria.



De outras belas senhoras e Princesas

Os desejados tálamos enjeita,

Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,

Quando um gesto suave te sujeita.

Vendo estas namoradas estranhezas,

O velho pai sesudo, que respeita

O murmurar do povo e a fantasia

Do filho, que casar-se não queria,



Tirar Inês ao mundo determina,

Por lhe tirar o filho que tem preso,

Crendo co sangue só da morte ladina

Matar do firme amor o fogo aceso.

Que furor consentiu que a espada fina,

Que pôde sustentar o grande peso

Do furor Mauro, fosse alevantada

Contra hûa fraca dama delicada?



Traziam-na os horríficos algozes

Ante o Rei, já movido a piedade;

Mas o povo, com falsas e ferozes

Razões, à morte crua o persuade.

Ela, com tristes e piedosas vozes,

Saídas só da mágoa e saudade

Do seu Príncipe e filhos, que deixava,

Que mais que a própria morte a magoava,



Pera o céu cristalino alevantando,

Com lágrimas, os olhos piedosos

(Os olhos, porque as mãos lhe estava atando

Um dos duros ministros rigorosos);

E despois, nos mininos atentando,

Que tão queridos tinha e tão mimosos,

Cuja orfindade como mãe temia,

Pera o avô cruel assi dizia:



(Se já nas brutas feras, cuja mente

Natura fez cruel de nascimento,

E nas aves agrestes, que somente

Nas rapinas aéreas tem o intento,

Com pequenas crianças viu a gente

Terem tão piedoso sentimento

Como co a mãe de Nino já mostraram,

E cos irmãos que Roma edificaram:



ó tu, que tens de humano o gesto e o peito

(Se de humano é matar hûa donzela,

Fraca e sem força, só por ter sujeito

O coração a quem soube vencê-la),

A estas criancinhas tem respeito,

Pois o não tens à morte escura dela;

Mova-te a piedade sua e minha,

Pois te não move a culpa que não tinha.



E se, vencendo a Maura resistência,

A morte sabes dar com fogo e ferro,

Sabe também dar vida, com clemência,

A quem peja perdê-la não fez erro.

Mas, se to assi merece esta inocência,

Põe-me em perpétuo e mísero desterro,

Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente,

Onde em lágrimas viva eternamente.



Põe-me onde se use toda a feridade,

Entre leões e tigres, e verei

Se neles achar posso a piedade

Que entre peitos humanos não achei.

Ali, co amor intrínseco e vontade

Naquele por quem mouro, criarei

Estas relíquias suas que aqui viste,

Que refrigério sejam da mãe triste.)



Queria perdoar-lhe o Rei benino,

Movido das palavras que o magoam;

Mas o pertinaz povo e seu destino

(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.

Arrancam das espadas de aço fino

Os que por bom tal feito ali apregoam.

Contra hûa dama, ó peitos carniceiros,

Feros vos amostrais e cavaleiros?



Qual contra a linda moça Polycena,

Consolação extrema da mãe velha,

Porque a sombra de Aquiles a condena,

Co ferro o duro Pirro se aparelha;

Mas ela, os olhos, com que o ar serena

(Bem como paciente e mansa ovelha),

Na mísera mãe postos, que endoudece,

Ao duro sacrifício se oferece:



Tais contra Inês os brutos matadores,

No colo de alabastro, que sustinha

As obras com que Amor matou de amores

Aquele que despois a fez Rainha,

As espadas banhando e as brancas flores,

Que ela dos olhos seus regadas tinha,

Se encarniçavam, fervidos e irosos,

No futuro castigo não cuidosos.



Bem puderas, ó Sol, da vista destes,

Teus raios apartar aquele dia,

Como da seva mesa de Tiestes,

Quando os filhos por mão de Atreu comia !

Vós, ó côncavos vales, que pudestes

A voz extrema ouvir da boca fria,

O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,

Por muito grande espaço repetistes.



Assi como a bonina, que cortada

Antes do tempo foi, cândida e bela,

Sendo das mãos lacivas maltratada

Da minina que a trouxe na capela,

O cheiro traz perdido e a cor murchada:

Tal está, morta, a pálida donzela,

Secas do rosto as rosas e perdida

A branca e viva cor, co a doce vida.



As filhas do Mondego a morte escura

Longo tempo chorando memoraram,

E, por memória eterna, em fonte pura

As lágrimas choradas transformaram.

O nome lhe puseram, que inda dura,

Dos amores de Inês, que ali passaram.

Vede que fresca fonte rega as flores,

Que lágrimas são a água e o nome Amores.   


  Camões, Os Lusíadas, Canto III, 118 a 135

(Gama conta ao rei de Melinde a História de Portugal- e aí se insere o episódio da linda Inês)