Homem do Lixo
O último a chegar à festa tem
como castigo varrer o lixo,
o subproduto da embriaguez
organizada. Náo é justo nem
injusto, é a lei dos retardatários.
A essa hora já os gastos foliões
mergulham no sono que se segue
a toda a felicidade, cientes
de que irão acordar ressacados
mas contentes por terem feito tudo
o que era humanamente possível
para se divertirem uma última vez.
Sozinho no recinto, o retardatário
dança com a sua vassoura,
recolhe sobriamente os detritos
a exaltação - preservativos,
cartazes, garrafas vazias -
e consola-se com a mentira
de ter sido poupado à desilusão.
Findo o trabalho, tem ainda tempo
para se apiedar dos vindouros,
que da festa não terão sequer notícia,
que nunca poderão participar
sequer remotamente em algo
tão aparentado com a esperança.
José Miguel Silva
In Ladrador, pág. 37, Edições Averno, Lisboa, 2012.
Nota: Integram esta edição da Averno os seguintes poetas:
Ana Paula Inácio; Diogo Vaz Pinto; João Almeida; Jorge Roque; Manuel de
Freitas; Miguel Martins; Rui Baião; Rui Nunes; Rui Pires Cabral e Vitor
Nogueira.
1 comentário:
... e o circo?
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