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Talvez não seja possível escrever sobre a música, talvez as palavras encontrem aí o seu limite: tenta dizer com palavras um intervalo de música, a entrada de um tema, o timbre de um oboé.
Tentei, uma vez: alguns fragmentos, breves textos para explicar como ouvia a música de Bach. Desisti; lembro-me de escrever uma carta a um amigo, a contar o impasse, a impossibilidade. Alguns anos passaram. Tentei novamente: um caderno crescia, entre leituras, experiências. ...Mas para onde, para que Bach - histórico, pessoal, real ou imaginário -, como dizer a música? Novo impasse. Descobria dolorosamente as fronteiras da linguagem; que nem sempre ela serve; que é preciso não pedir o impossível. E ninguém pode escrever um texto cujo tempo ainda não chegou. Mas nunca se sabe quando esse tempo chega. Escreve-se na ignorância, na escuridão.
Esse texto que se deseja, essa pura paixão não se pode escrever. Espreitar pelas portas pode-se, é fascinante; imitar um cânone, uma fuga, na estrutura de um texto, pode-se, é quase fetichista; tentar descrever paixões que a música provoca, seguindo tratados de Platão e Aristóteles, de Mattheson, Schubart e Wolff, é uma tarefa académica, interessante e arriscada, por vezes menos próxima da música do que da psicologia. Mas a música permanece inacessível, não posso dizê-la.
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Pedro Eiras
in Bach, Ed. Assírio & Alvim, Setembro 2014, pgs.31 e 32
in Bach, Ed. Assírio & Alvim, Setembro 2014, pgs.31 e 32
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