segunda-feira, 17 de março de 2014
Luís Filipe Castro Mendes
É verdade, somos do Sul.
Teve razão em reparar em nós.
Somos aqueles que passámos
de pedreiros e mulheres-a-dias,
que cumpriam as suas tarefas
com modéstia e simplicidade,
a devedores alegres e inconscientes,
que vivem à custa dos sacrifícios
dos operários da Renânia-Palatinado.
Somos nós mesmos, gnaedige Frau.
Sim, eu li como viveram os seus pais
nesse ano em que perderam a guerra:
nas caves encharcadas
de prédios em ruínas,
com esmolas avulsas
dos soldados da Ocupação.
Mas reparou
como depois foram tratados
pelos vencedores?
Sim, você disse-me também
que desde a adolescência
não compreende
que tenha de pagar
pelas culpas dos seus pais
e dos criminosos
que governaram o seu povo,
antes mesmo de você ter nascido.
Mas se para a vossa língua
dívida e culpa
são a mesma palavra,
então seremos nós agora a pagar
até aos netos dos nossos netos,
já que as vossas dívidas estão saldadas?
É isso, gnaedige Frau?
'Conversa no Tiergarten' in "A misericórdia dos mercados", Assírio & Alvim 2014
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