sexta-feira, 8 de março de 2013

Fruto Proibido


Ela era a árvore da sabedoria. Erguia-se no centro do Éden. E o par bíblico estava impedido pela divindade, uma certa divindade bastante despótica, de consumir os frutos que dela pendiam iridiscentes e mágicos. Até que no decorrer daquele tempo indefinível e sem medida, que é o tempo gerido pelos deuses, a parte feminina do casal decidiu ceder à tentação da busca do conhecimento, às rotas ignoradas do Bem e do Mal, coisas imponderáveis até ali. Não sabia, pois a acção de saber era-lhe interdita, se ela própria existia há séculos ou milénios naquele ininterrupto estado edénico de inconsciência. Pois nada se renovava porque nada morria, nada se construía porque nada era destruído. E assim se iniciou a História da Humanidade, graças a uma mulher e a uma árvore.

A celebração de cinco décadas da Cooperativa Árvore, sita no Passeio das Virtudes, na cidade do Porto, convocando simultaneamente a data de 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, numa tessitura criativa da autoria de 50 mulheres, transporta-nos pelos materiais eleitos, como a lã em diversos estádios ou o burel, a uma ancestralidade simbólica de onde é possível interrogar percursos, avanços e recuos. Assim como a simbólica que acompanha a figuração da árvore se impõe pela completude que a define: simultaneamente ligada às raízes e à Mãe Terra mas também a uma verticalidade celeste, que a faz assim detentora de todas as forças do Cosmos, num todo harmonioso, onde não há exclusões.

Neste ano de 2013 e apesar da enorme caminhada percorrida no que ao estatuto das mulheres nas sociedades diz respeito, sobretudo nas sociedades do comummente denominado Ocidente, interrogamo-nos ainda perante práticas selváticas como a da violência doméstica e os assassínios de esposas e companheiras que perfazem, no nosso país algumas dezenas por ano, sem contar com as tentativas de homicídio que não chegam a provocar a morte, mas originam brutais lesões físicas e psíquicas. A realização profissional sai muitas vezes prejudicada e até abandonada devido às tarefas familiares, que muito lentamente começaram a ser partilhadas pelo elemento masculino do casal. De notar que as próprias mulheres tardam em reconhecer estas candentes questões de género e não se obstinam em mudar os modelos arcaicos que herdaram das mães e avós e prolongam nos filhos e na auto-estima, que reduzem apenas às proporções da silhueta, as segregações de género em que foram educadas. No mundo islâmico a condição feminina é deplorável, desde as burkas e outras peças de vestuário obrigatórias, até às mutilações genitais de meninas, aos casamentos encomendados pela família ou às sentenças de morte pelo crime de violação de que foram as vítimas. Casos recentes desde a Nigéria ao Paquistão têm sido notícia e motivo de pedidos de clemência por parte de organizações internacionais de Direitos Humanos. O flagelo das violações, em muitas zonas do Planeta, foi ultimamente posto em evidência pelo horrendo episódio indiano, em que uma jovem estudante foi vítima de um grupo de estupradores, dentro de um autocarro, incluindo o próprio motorista.

Para terminar esta breve evocação da situação actual das mulheres, no mundo, terá porventura algum interesse lembrar aqui a figura de Carlota Beatriz Ângelo (1871-1911), nascida na Guarda, onde há uma escola com o seu nome, que foi a primeira eleitora portuguesa e das primeiras da Europa. Licenciada em Medicina pela Escola Politécnica de Lisboa, conseguiu mercê do veredicto de um tribunal, o direito a votar para a Assembleia Constituinte, em 1911, direito só atribuído aos cidadãos chefes de família, que soubessem ler e escrever. Como Carlota estava viúva e era mãe, foi possível apresentar-se como chefe de família e assim poder votar após larga controvérsia. Porém, logo no ano seguinte a lei foi modificada, não fosse o diabo tecê-las e foi aposto no texto legal aos ditos cidadãos “do sexo masculino”. O sufrágio universal, a que iriam ter acesso todas as mulheres portuguesas, só se concretizou após a revolução de 25 de Abril, de 1974. Tinham passado mais de 60 anos.

Março de 2013
Inês Lourenço

1 comentário:

pilantra disse...

vá lá uma musiquinha pilantrica para animar a escorpioa braba:

http://youtu.be/9V4JcOnd7RM