sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O Território do claro-escuro

(Colhido aqui: http://www.nocentrodoarco.blogspot.pt/) Acaba de ser publicada no México em Junho de 2012, pelas Ediciones Libera, a antologia de poesia portuguesa contemporânea, "Cortei a laranja em duas", organizada e traduzida por Fernando Reyes, professor na UNAM - Universidade Nacional Autónoma do México e que, com bastante satisfação, tenho o prazer de integrar . A antologia inclui poemas de onze autores portugueses (Maria do Rosário Pedreira, Ruy Ventura, João Rasteiro, Fernando Aguiar, Inês Lourenço, Aurelino Costa, Pedro Ribeiro, Alexandre Nave, Filipa Leal, Américo Teixeira e José Rui Teixeira). O prefácio é de Jesús Gómez Morán. Neste, afirma o autor: (…) “a cultura portuguesa caracteriza-se por ser o oposto da brasileira. Se, grosso modo, o temperamento polícromo e alegre é claramente brasileiro, o lusitano tem como qualidades intrínsecas o claro-escuro e a melancolia. Penso, por exemplo, na poesia de Pessoa, cuja figura enorme seria capaz de eclipsar qualquer nome: poeta com a altura de Eliot e de Pound na língua inglesa e de Octavio Paz e Neruda em espanhol, o seu impacto (juntamente com o de Mário de Sá-Carneiro) é tão evidente que a sua sombra caiu praticamente sobre todos os autores portugueses dos períodos posteriores, a tal ponto que explorar o seu contributo lírico se transformou num repto difícil mas iniludível. (…) Quando se pensa nas conexões culturais existentes entre Portugal e México, é possível aceitar que a poesia lusa foi reinventada em 1888, ano do nascimento de Fernando Pessoa. Além disso, esse temperamento taciturno e saudoso parece gémeo do meio-tom, dessa nota crepuscular que caracteriza, por sua vez, a poesia Mexicana, pela voz do seu autor mais representativo nesse período, Ramón López Velarde. Logo, o que se aplica a um poeta pode ser válido para o outro, e o nosso conhecimento das letras e da cultura portuguesa, além desse temperamento, não manifestou em todo este tempo um eixo ou um acontecimento particular que as tenha vinculado. (…) Estas ligações não passariam muito tempo despercebidas e Pessoa haveria de ser analisado, principalmente por Octavio Paz, e traduzido profusamente por Francisco Cervantes, a quem devemos, além disso, a publicação póstuma da antologia Cara Lusitana, editada pelo Instituto de Cultura Queretano (2010), cuja lista se compõe de nomes posteriores a Pessoa e a Sá-Carneiro: Adolfo Casais Monteiro, Raul de Carvalho, Luiza Neto Jorge, Manuel Gusmão, Miguel Torga, Fiama Hasse Paes Brandão, Vitorino Nemésio, Eugénio de Andrade, Alberto de Lacerda, António Osório, Fernando Guimarães e outros. Essa abordagem a esta etapa da lírica portuguesa teve, contudo, pelo menos mais duas antologias prévias. Uma foi preparada por Fernando Pinto do Amaral, Antología de la poesía portuguesa contemporânea, publicada pela UNAM (1997), e a outra foi dada a estampa pela editora madrilena “Hiperión”, Portugal: la mirada cercana (2001). Em qualquer delas, o rol de poetas incluídos anda muito próximo da supracitada Cara Lusitana. Apesar disto, já se notava a necessidade de uma incursão pelas vozes lusitanas mais recentes, lacuna que a actual antologia preparada e traduzida por Fernando Reyes vem colmatar. O leitor terá oportunidade de tirar as suas próprias conclusões, mas quanto a mim a característica mais relevante que posso destacar desta nova empresa compiladora é a tensão estabelecida entre tradição e inovação nos autores selecionados. Nota-se, desde logo, a aparição do temperamento taciturno antes mencionado, a saudade nascida ante a contemplação do mar (com clara índole sebastianista), o espirito órfico herdado de Fernando Pessoa e da sua geração, ao lado de continuas referências intertextuais e das definições da função que o poeta deve assumir, como nestes versos de Inês Lourenço: “habitar um planeta / de versos suicidas / é o primeiro ofício do poeta”. Em união com estes traços, verifica-se uma inquietude experimental que dinamiza a expressão lírica, tanto em poemas dialogados de forma tal que se aproximam bastante da heteronímia (como é o caso de Ruy Ventura), quanto noutros com versos tao breves que parecem enformar linhas verticais (como sucede com Fernando Aguiar). Apesar disso, há poetas como João Rasteiro em cuja obra se unificam a tendência experimental, quando publica poemas em prosa (com versos praticamente justapostos), e a tendência tradicional, quando escreve em tercetos medidos. Ao analisar o temperamento do romantismo, Octavio Paz traçou dois enfoques primordiais: a analogia e a ironia. E é este segundo elemento o que emprega Fernando Aguiar para rasgar o véu melancólico da tradição poética lusitana. Isto acontece quando descreve algo aplicável tanto na operação de uma torre aéreo-portuária quanto na composição de um texto literário: “para quem julga que estou a / exagerar, não diga apenas que / não há dúvida que está realme / nte mesmo cada vez mais um / ito difícil. nem que está d / ificílimo. está dificilíssimo” E certamente, “ não há dúvida”. Por mais difícil que pareça, neste caso, estender uma ponte sobre este território poético marcado pelos contrastes de um claro-escuro, existem dois pontos salientes: estamos diminuindo a distância que nos afastava da poesia portuguesa contemporânea e, paulatinamente, essa tradição vai mostrando evidentes signos de regeneração (que, ao fim de contas, é um postulado de ascendência órfica) e frescura lírica. Jesús Gómez Morán (Tradução: Ruy Ventura)

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