segunda-feira, 20 de junho de 2011

João Habitualmente

APOCALIPSE

João Habitualmente


1

recatai-vos velhas
fugi para a igreja
abanai o sino
fechai bem no quarto
o vosso netinho
o vosso menino
para que não veja
para que não saiba
para que não seja
assim como esses
que são cabeludos
que só têm barba
dizem palavrões
e dão encontrões
nas ruas da baixa
aos senhores sisudos

são uns parvalhões
recatai-vos velhas
trazei um polícia
uma esquadra inteira
ai tanta sujeira
imaginem só
andam-se a drogar
até metem dó
a cambalear

isto está perdido
ó velhas fugi
e para ali
que aqui está fodido

recatai-vos velhas
tapai as orelhas
guardai o menino
fechai-o no quarto
metei-o na cama
para que não veja
para que não ouça
para que não seja
para que não tenha
para que não venha
perdeu-se o respeito
já não há moral

ó velhas fugi
olhem para ali
beijam-se na rua
fodem ao luar
antes de casar
já nem vão à tropa
só querem dinheiro
todo para estourar
já nem vão às putas
mostrar que são homens

ó senhor prior
já nem vão à missa
não têm missal
isto é um horror
vamos mesmo mal

fechai os olhos
não vejais o netinho
guardai-o no fundo
de um quarto comprido
para que não veja
para que não tenha
para que não seja
para que não venha
recatai-vos velhas
que já nem na praia
se consegue estar
ó virgem maria
ó senhor do céu
essas estrangeiras
deu-lhes para andar
de mamas ao léu
a tremelicar

ó velhas cuidado
assim é que não
inda a procissão
só vai no adro
não deixes que a merda
se ponha a medrar
gritai pelas ruas
falai prós jornais
morra a juventude
fine a desvergonha

chamemos quem ponha
estes animais
c'o a corda rente
ó velhas chamai
o presidente

2

libertai-vos velhas
vinde para o sol
dançar rock n' roll
ide até a lua
c'uma ganza fixe
esticai o dedo
panhai boleia
fumai muito haxixe
ponde a casa cheia
dos nossos poetas
dos nosso malucos
andai de autocarro
a fugir ao pica

libertai-vos velhas
não pagueis a taxa
acabai com a graxa
aos vossos patrões
cagai no juízo
nas boas maneiras
cagai nas peneiras

ó velhas então?
vinde para aqui
para a confusão
ó velhas vesti
uma mini-saia
deixai que vos caia
esse ar tão mortiço
essa cara chocha
mostrai a coxa
gritai uma asneira
uma malandrice

pelos microfones
das rádios-pirata
ouvi os Police
os Rolling Stones
não vos afoguei
em mais água benta
bebei um bagaço
jogai a dinheiro
ide ao cangalheiro
adiai a morte
ide pelo mundo
por estradas à sorte
vinde para aqui
para o reviralho
e se não quiserdes
ide para o caralho!

(in "Agradecemos", Edições Pé-de-Cabra, 1995)

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