quarta-feira, 29 de julho de 2009

Das coisas marítimas (4 poemas éditos)

____________________
MANTA ROTA

Enquanto molhavam os lábios, contavam
dos barcos, das linhas de água, nessas fonias
brandas do sul, que escorrem em cascata
para os tímpanos, contavam
das madrugadas do arrasto, dos polvos
e outros animais furtivos
que por algas e limos iludem
a presúria das redes.


Teoria da Imunidade (1996)


PREFERÊNCIA

Queriam viver numa casa
ao pé do mar, partilhando
o eco masculino das ondas, o cheiro
das marés, a estridência das aves que restam, a salsugem
matinal dos dedos, pousados os olhos
nas claras praias longínquas.


idem


MIRAMAR

Acender um cigarro na praia, proteger
o difícil estertor da pequena chama. Anular
o vento na manga do teu casaco. Reter
preso entre os dedos o princípio breve
dessa efémera combustão.

idem


PÉLAGO


Contorno-te como um marujo lembra a casa
tão dentro do vento e tão fora de pé
entre mares e ilhas dissipada
pelo corso dos teus olhos, tíbias
dos meus lábios numa bandeira negra
recolhida dessa abordagem a estibordo
no convés de uma figueira brava
onde vives como planta inexorável.

Os Solistas, (1994)

Inês Lourenço

quinta-feira, 23 de julho de 2009

BILROS

_______________________



A renda de bilros é uma indústria da beira-mar, destas
mulheres loiras, de olhos azuis e rosto comprido – as da Foz,
as de Leça e as de Vila do Conde – que passavam a vida à
espera dos homens, enquanto as mãos ágeis iam tecendo
ternura e espuma do mar. (…)

Raul Brandão – Os Pescadores







As raparigas da Foz há muito deixaram
de enlaçar os bilros sobre as almofadas.
Já não imitam nos meandros da renda o desenho
das ondas. Nem esperam, rodeadas de filhos pequenos


o regresso do seu modesto ulisses. Hoje
trabalham na pizzaria ou servem pregos e finos
na esplanada. Com um pouco de sorte fazem
um Curso de Gestão ou de outras ciências
ocultas para gáudio da família que as vai
ver desfilar no Cortejo da Queima e noutras
praxes saloias que a turba não dispensa.


Também há as outras, que ao certo não
sei o que fazem, mas que ainda debutam
aos dezoito anos ao som de O Danúbio Azul,
com reportagem na imprensa rosa.


Mas o certo é que o mar da Foz não desbotou
jamais a sua cor atlântica, nem desistiu,
desde há milénios de receber o Douro,
embora os caranguejos, as lapas
e os beijinhos nos tenham abandonado
como as histórias de antigos piratas e Robinsons
deixaram os nossos sonhos.


O mar da Foz envplve na salina rebentação
aquele poderoso rio, que apesar de retido
em comportas de barragem, incorpora
desde a nascente o corpo feminino
das ribeiras que para ele correm ainda
como rendilheiras, no regresso dos barcos.

I. L.
(Junho 2009)

Nota: este poema é dedicado a um ilustre fózeiro, Miguel Veiga, tendo sido destinado a uma prenda/surpresa da iniciativa editorial de José da Cruz Santos, da Editora Modo de Ler.

domingo, 12 de julho de 2009

João Luís Barreto Guimarães

________________________________
AS CADEIRAS


À aula de
quarta-feira assistiram 13 alunos e
27 cadeiras. Em resumo: a sala cheia.
Quando a
lição terminou os 13 alunos partiram e
acto contínuo contei 20 casais de cadeiras.
Às aulas que tenho dado nunca faltam
as cadeiras
ficam a ouvir-me atentas
(as costas muito direitas).
É bom de ver que as cadeiras entendem
tudo à primeira
parecem ser mais maduras (mais
pés
assentes na terra).

_______________
O FACTO DA MORTE


Austero sobre o colchão o fato
para levar no esquife
da sua morte. Nem uma nódoa ou mácula. O
fato que lhe pesou na boa-morte de tantos é
esse que o vai levar ao seu
próprio ritual. Atónitos
vamos passando o memento
uns-aos-outros
enquanto a Mãe aturdida à pergunta das gavetas
por uma que camisa com a gravata
que entretanto. Nenhum de nós acredita ainda que
ele morreu. Enquanto estiver vazio aquele
fato da morte
ninguém sequer admite que esteja morto
de facto.



A PARTE PELO TODO,Quasi Edições, VNFamalicão, 2009
________________

Nota: Tive o gosto de publicar 4 poemas inéditos deste poeta (n. 1967) no n.º 4 dos Cadernos de Poesia - Hífen (Abril-Set 89) cf. blogue, textos do seu primeiro livro Há Violinos na Tribo, que seria publicado, ainda, no mesmo ano; textos que me tinham sido recomendados pelo poeta Fernando Guimarães.

Esta poesia, imagética e formalmente muito depurada, introduz-nos num habitat muito próprio, ao surpreender, nos aparentemente banais episódios do quotidiano, todas as inter-faces para as perguntas radicais da existência.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Dói-me o meu país

_________________
Até admito que o governo e Sócrates não tenham sido perfeitos e infalíveis; mas o que acho revoltante e do pior calibre político e cívico, que roça a desfaçatez é o que a Oposição tem para ofertecer em troca:
Santana no Município da Capital; Ferreira Leite a "dirigir" Portugal; o Portas dos submarinos e sobreiros a "assomar" já, em várias coligações nas autárquicas; o consulado bnurlesco madeirense a inchar, etc.
A"qualidade" dos ministeriáveis PSD é confrangedora.Restam-lhe os arautos: Marcelo, Pacheco, e uma vez por outra Ângelo Correia, o "Cardeal Richelieu", como bem o apodou Miguel Veiga, personalidade que junto com Graça Moura, estão na sombra, mas que ainda são o que resta do "sal da terra" do defunto PPD.

Nem o facto de Rio ir concorrer coligado ao CDS, aqui no Porto e se prever maioria absoluta, acorda as "consciências" de esquerda, que querem mas é manter o vereadorzito e o país que se lixe. A esquerda do PS, faz lembrar aqueles maridos patologicamente ciumentos que assassinam as mulheres, dizendo: "Já que não és para mim, antes te quero morta".

Dói-me que o meu país, num momento de crise mundial, cair em mãos inábeis de arrivistas, com defeitos muito maiores que o actual governo, movidos pela fome de poleiros, púlpitos e vantagens atinentes.






segunda-feira, 6 de julho de 2009

Comentários no "mainstreet"

_______________________
Mas, parece que a "natureza das coisas" é mesmo assim. Ou será a "natureza humana"? Os partidinhos, as agremiações, etc, querem mas é garantir o "terreno" para eles próprios, por interesses materiais ou narcísicos e quase sempre por estagnação mental. Helena Roseta e "os cidadãos", já para não falar no anquilosado PC e no festivaleiro BE, vão entregar de bandeja a Câmara de Lisboa a Santana Lopes, que sempre "andou por aí " com proveito, como se vê.Aliás, no plano geral planetário, hoje é um dia de vómitos:

-é o espectáculo rendoso, decadente e louco com o funeral Jackson

- mailo o circo espanhol-futebolístico do puto maravilha, com os milhões, os meios, os jactos privados.

- é a chachina de etnias na China (e em tantos lados).

Excepção será a visita de Obama ao Kremlin ou talvez os gestos de abnegação quotidana de tanta gente anónima, para os quais não é preciso notícia nem bilhete de ingresso.Até logo.Ab.I.


De weber a 6 de Julho de 2009 às 18:15
Minha boa amiga, certeira como a flecha do Guilherme Tell.Não falhou nenhum dos itenes que escolheu, mesmo as duas excepções que foram do meu particular agrado (Obama e abnegaç~ão de tanta gente sem nome...).Muito obrigado pela substância com que sempre me brinda.Até logo.Abraço,J.A.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Manuel de Freitas

____________________
SHE LIVES BY THE CASTLE


Meu amor - assim começavam
quase sempre os poemas
de que menos conseguia gostar.
Mas é verdade (a verdade
e a retórica nunca se entenderam)
que um bando de gaivotas atravessa
o pouco céu que vai da aos Clérigos.

Tu dormes; nunca estivemos aqui.
A cortina por levantar, de um amarelo
duvidoso, a varanda sobre ruínas,
casas onde morou gente,
telhados abnatidos que me servem
de cinzeiro. Tu dormes,
rosto abertamente escondido
sob lençóis brancos, almofadas
com brasão, espelhos dos anos vinte.

Não sabes, não sabemos, de melhor castelo.
Ignoras devagar os motivos que
em breve nos farão descer do quarto
209, Grande Hotel de Paris,
atentos aos primeiros sinais do nada.

E assim, meu amor, acaba este poema.

Intermezzi, op. 25, Opera Omnia ed., Guimarãers, 2009

Nota: Manuel de Freitas (n. 1972) um poeta marcante da década de 90, ensaista, crítico, editor da Averno, co-director da revista Telhados de Vidro.
Autor cuja obra acompanho desde o início da sua produção poética (2000). Nela encontram-se refractados os grandes caminhos da poesia actual, contendo embora as "analepses" que a explicam, cultural e imageticamente. Numa sábia linguagem propositadamente não ambígua, nem "preciosa", nem "sublime", acompanha-nos nas perplexidades diárias com a densidade de todas as grandes interrogações.